DOIS LADOS DA POLÍTICA

CAPA ROMILDO

Romildo Bolzan, ex-presidente do Grêmio e atual prefeito de Osório, construiu uma trajetória marcada pela política combativa e pela gestão esportiva

Era uma tarde chuvosa no Rio Grande do Sul, mais especificamente na capital Porto Alegre. O relógio marcava 12h30min quando cheguei em casa e logo fui com a minha dupla, Giordano, e o seu pai, Mário, rumo a Osório para conversar com o ex-presidente do Grêmio e atual prefeito da cidade, Romildo Bolzan Júnior.

A viagem foi tranquila e durou aproximadamente 1h10min. Chegando no local combinado, perdemos alguns minutos procurando o número da casa do Romildo. Para a nossa surpresa, ele estava nos esperando na porta e, quando nos viu, assobiou e disse: “Podem vir”.

Romildo estava vestindo uma camisa polo preta, casaco bege e calça da mesma cor. Na entrada da casa, um pequeno corredor nos levava até a sala, onde a televisão estava ligada no noticiário. “Vocês não tinham nada melhor para fazer na sexta-feira do que me entrevistar?”, disse ele, entre risos. Chegando na cozinha, local da conversa, ele avisa: vai responder qualquer pergunta. “Não tenham medo de perguntar”, diz.

Trajetória na política

Um pouco nervoso, começo perguntando sobre o início da sua trajetória na política: “A política veio do meu pai, que me estimulava a fazer andanças com ele aos finais de semana. Ao mesmo tempo em que fazia isso, ele também me levava aos jogos do Grêmio. Então, as duas coisas correram praticamente juntas. Fui assimilando e adotando aquilo como uma situação de vida normal e de formação. Acabei gostando de política e já gostava de futebol. Na verdade, gostava do Grêmio”, conta.

Enquanto meu colega Giordano procurava os melhores ângulos para captar as imagens do nosso entrevistado, Romildo seguia nos contando, sempre olhando no olho, sobre a vida na política tradicional: “A gente adquire uma enorme experiência, porque convive com todos os níveis de pessoas, de todas as formas e de todos os comportamentos. Tu não tens um comportamento linear na política, porque ali têm pessoas com interesse pessoal, coletivo, político, de mandato e de preservação.”

Gesticulando bastante com as mãos enquanto fala, Romildo descreve o seu perfil político: “Era um vereador muito institucional e não tinha muita preocupação com aquelas questões de organização. Isso eu fui adquirir quando fui ser prefeito. Primeiro fui vice-prefeito, depois vereador, para somente após ser prefeito. Daí em diante, a gente adquire aquela consciência de mais organização, de mais necessidade de fazer as coisas com racionalidade, com início, meio e fim, com capacidade de resolução, com projeto de vida, com projeto político e com projeto coletivo”, afirma.

A cada minuto que passava, o clima ficava mais leve e tranquilo. Questionado sobre o que um político precisa ter na profissão, Romildo comenta que a pessoa deve possuir poder de convivência e saber dialogar e, além de tudo, não achar que irá virar ‘reizinho’– expressão que usou para definir alguém que acha que pode fazer tudo o que bem entender.

“Em política, você tem que ter a racionalidade de harmonizar ambientes e de levá-los para frente, reunindo pessoas com os mesmos propósitos. Você tem que organizar, mobilizar, sensibilizar e incentivar turmas para estar contigo. Você não faz nada sozinho. Em muitos momentos, você até pode estar sozinho, mas fazer sozinho você não faz jamais”, ressalta. E complementa: “A política está rigorosamente vinculada ao ser capaz de conviver coletivamente, prestar contas, estar sujeito a cobranças e dar resultado. Tu não entras na política por entrar ou para ser eleito a alguma coisa. Se tu não tiveres valores políticos que te levam e que te motivam para organizar qualquer situação, valores de vida, morais, éticos, pessoais e profissionais e se não conseguir entender o teu papel, principalmente em relação aos outros, ou aquilo que tu necessariamente pensas, irá fazer somente o comum”, complementa.

Romildo Bolzan Junior, atual prefeito de Osório, conta que sua família está no comando da cidade há 50 anos – Giordano Martini/BETA REDAÇÃO

Trajetória no Grêmio

Com o tempo passando, foi chegando o assunto que eu mais queria falar: Grêmio. Antes de contar sobre esta parte da sua longa carreira, Romildo explica que o político é dono de uma ideia e pode ter a iniciativa de fazer alguma coisa, mas, se o público não comprar essa ideia, o objetivo se perde. “No momento em que se compra a ideia, não tem quem venha depois e a desfaça, porque vai ter reação.”

Falando sobre o Grêmio, ele lembra que entrou no clube por conta do seu pai e do antigo esquema político que havia no tricolor gaúcho: “Meu pai era conselheiro desde 1967 e eu entrei lá por volta dos anos 90. Entrei no velho esquema tradicional da política do Grêmio: Quando ele saiu, me colocou no seu lugar. Hoje não é mais assim. Hoje tem a luta política, o esquema e os grupos políticos. Não é mais a indicação, passa mais pela organização de movimentos.”

Enquanto falávamos do Grêmio, Romildo demonstrou todo o seu amor pelo clube como torcedor: “A gente consegue abstrair, porque ninguém vai ser presidente só pela emoção. Se tu entras lá e não sabe o que vai fazer, tu vais te perder. Se tu pensas que serás presidente de um clube e que o único objetivo é ser campeão, tu vais te perder. Devemos sempre observar os ambientes. Então, no meu caso, entrei com o propósito de, em primeiro lugar, botar mais ou menos a casa em dia. Com isso, tivemos sucesso. Até 2021 tivemos um enorme sucesso nisso, até cair. Antes disso, nós tivemos uma situação de seis anos de políticas bem executadas. E o que aconteceu com isso? O clube, de certa forma, reproduziu títulos.”

Ele muda o semblante ao falar de um tópico mais sensível – o trágico ano de 2021, com o rebaixamento para a Série B do Campeonato Brasileiro. “Não tenho a dúvida que os ambientes te envolvem de tal maneira que, às vezes, tu não percebes como as coisas vão andando e se acostuma com as mesmices. Hoje vejo que deveria ter feito alguma intervenção em algum determinado momento de uma maneira mais firme e profunda no futebol, principalmente quando os sinais se apresentaram no final de 2019 e começo de 2020. Como eu sempre disse publicamente e continuo dizendo, a minha máxima culpa é comigo mesmo. Não vou terceirizar para ninguém”, ressalta.

O ex-presidente do Grêmio atribui a crise que culminou com o rebaixamento à falta de percepção e diagnóstico dos problemas na hora certa. “Não tive a capacidade de reação na hora oportuna. Quando tive a capacidade de reação, a fiz de uma maneira um pouquinho equivocada, no sentido de dizer o seguinte: Olha, vai ser dessa forma daqui para a frente. Mas a mudança não pode ser apenas de um. A mudança é de vários e eu não consegui entender isso naquele momento”, lembra.

Ele conta duas histórias marcantes do período em que foi presidente: “Estávamos em Erechim e o pessoal cobrando porque não tinha título fazia tempo e o Grêmio estava numa posição meio ruim no Campeonato Gaúcho. E eles me cobraram: “E aí, presidente?” Eu disse que naquele ano seríamos campeões. Eles me olharam meio desconfiados. E o que aconteceu? Acabamos campeões”, conta. “Foi uma bravata. Minha intenção era mostrar confiança e determinação, mas acabou dando certo”, lembra Romildo.

“Outra história é sobre o Mundial de Clubes, em 2017. A partida final eu assisti com a minha esposa, o Maradona e a esposa dele. O Maradona estava torcendo fervorosamente para o Grêmio ao ponto que, quando o Ramiro caiu na área, ele levantou e gritou: ‘Pênalti, pênalti, estão roubando o Grêmio, estão roubando o Grêmio!’. É uma coisa realmente diferente. São memórias que ficam, uma experiência de vida que jamais imaginava ter e tive”, revela.

Bolzan, diante do armário onde reúne as conquistas de sua gestão no Grêmio, incluindo a Libertadores de 2017 – Giordano Martini/BETA REDAÇÃO

Futuro

Em outubro de 2024, Romildo foi eleito prefeito de Osório pela quarta vez. “Não estava no meu projeto de vida voltar. Voltei muito mais por solidariedade, pelo ambiente coletivo, pelo apego político, à causa e ao PDT. Essas coisas, que são uma cultura de vida, e que tu não queres que acabe ou se despreze.” Sobre o futuro, ele fala com leves risadas: “Acabou, acabou, acabou. Não, chega, chega. A minha ideia é terminar o mandato respeitavelmente e deu para mim. Não tenho mais expectativa de nada, nem de candidatura, já anunciei isso. A minha família em Osório, incluindo meu pai, meu irmão, meu sobrinho e eu temos mais de 50 anos de mandato somados”, diz Romildo.

Para fechar a entrevista, quis perguntá-lo sobre o que ele tinha achado da vida até aqui. A resposta me deixou surpreso: “Eu tive demais, ganhei demais, recebi demais, mas o rebaixamento me tirou um grande pedaço. Para mim, aquilo foi mortal. Foi uma espécie de tiro no cérebro. Me deu um tiro de morte. Foi terrível levantar e conviver. Não por mim, entendeu? Eu, como pessoa, passo por frustrações. Mas sim pela frustração que a gente gera a milhares de pessoas. Isso, para mim, é a coisa mais triste, relevante e que mais impactou. Mas, ao mesmo tempo, se botar tudo na balança, meu saldo é muito positivo, então eu fico tranquilo em relação a isso”, diz.

Com a entrevista encerrada, Romildo nos mostrou o seu canto do Grêmio, uma espécie de armário com faixas, medalhas e outros artefatos alusivos aos títulos que ele conquistou no clube. Eu, como torcedor, olhando aquilo, me lembrei de cada jogo como se fosse ontem. Ao nos mostrar as conquistas, ele comentou, brincando, que não tinha café em casa, mas, se tivesse, nos serviria.

Bolzan guarda em sua casa em Osório, registros de sua história de 8 anos pelo Grêmio – Giordano Martini/BETA REDAÇÃO

Em seguida, ele mudou de ideia. Quando estávamos nos preparando para sair, perguntou: “Vocês gostariam de ir até o centro para tomar um cafezinho?” Ao ouvir a pergunta, Giordano e eu nos olhamos. Não tinha como recusar aquele convite. Entramos no carro dele e fomos em direção ao centro de Osório. No caminho, conversamos sobre diversos assuntos, tanto do Grêmio como da política tradicional. Algumas coisas eu já sabia, porém outras nem imaginava que aconteceriam e, por se tratar de uma conversa mais privada e leve, não irei citar. Após mais de 10 minutos buscando uma vaga, ele estacionou o carro bem na porta do café e, debaixo de uma leve chuva, entramos no local.

Ao sentar à mesa, Romildo olhou para o funcionário, solicitou três cafezinhos e ainda brincou: “O café está descontado.” Após tomarmos o café e conversarmos mais um pouco, agradeci imensamente a sua disponibilidade. Voltando para Porto Alegre, Mário, pai de Giordano, perguntou como foi a entrevista e eu apenas respondi que havia superado muito a minha expectativa. Durante a viagem, fui pensando em como esta entrevista é uma história que irei contar no futuro. Certamente, será um prazer falar que entrevistei Romildo Bolzan Júnior.

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