Maria Eduarda Fortes, conhecida nas redações como Duda Fortes, descobriu a fotografia esportiva antes mesmo de escolher o jornalismo. Ainda adolescente, na pequena cidade de Seberi (RS), ela começou a registrar partidas de futsal com uma câmera emprestada, apenas para não se afastar do ambiente esportivo em que havia crescido. Hoje, com passagens por veículos regionais e integrante da equipe de fotojornalismo da Zero Hora, Duda soma experiências que atravessam o futebol, o futsal, o skate, automobilismo e as pautas sociais – sempre com a mesma sensibilidade de quem aprendeu a observar o jogo também fora das quatro linhas.
Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria, no campus de Frederico Westphalen, Duda traz na bagagem um olhar apurado para o flagrante e uma preocupação genuína com o impacto humano das suas imagens. Da cobertura de clubes do interior à documentação de projetos sociais que transformam a vida de jovens atletas, sua trajetória revela um equilíbrio entre técnica e empatia. Em conversa com a reportagem, a fotojornalista fala sobre sua relação com o esporte, o processo criativo, as pautas que mais a marcaram e os bastidores de uma profissão que exige tanto fôlego quanto sensibilidade.
Instinto e aprendizado
A conversa com Duda começa com um sorriso aberto e uma maneira despretensiosa de contar a própria trajetória, como se cada passo tivesse acontecido naturalmente, ainda que, por trás, exista uma dose evidente de esforço e persistência de uma jornalista que iniciou na fotografia de forma autodidata. “Eu aprendi sozinha, errando, testando, pedindo ajuda”, diz, sem transformar o seu percurso em heroísmo, mas em aprendizado. “Trabalhei com o time da minha cidade, a FUCS, de graça no começo. Fazia fotos, mandava texto para os jornais locais, acompanhava treinos, jogos, tudo. Era isso que eu curtia.”
O início foi simples: uma câmera emprestada, quadras de futsal do interior e a curiosidade de registrar aquilo que ela já amava ver. Duda confessa que a fotografia veio antes do jornalismo. E que, talvez por isso, o olhar dela seja mais intuitivo do que planejado. Ainda assim, há método em sua intuição: o olhar rápido para os lances instantâneos no esporte e a escuta paciente em pautas sociais que tem costume e apreço em fazer parte.

Ao falar do seu cotidiano na Zero Hora, o tom muda. Ela descreve o ambiente das coberturas com ânimo: o ritmo acelerado, a atenção aos detalhes, o desafio de se estar no lugar certo, na hora certa. É uma rotina de correria e improviso, mas também de descobertas. “Fotografar esporte é aprender a lidar com o imprevisível. Às vezes é uma fração de segundo, e se tu perde, já era.”
Mas ela não se limita à adrenalina do jogo. Há um traço que atravessa suas falas: a vontade de que seu trabalho vá além da imagem. “Eu gosto quando a foto consegue gerar algo bom, algum movimento, alguma transformação”. Essa visão reflete nas pautas sociais que ela realiza, seja em projetos de base, ações comunitárias ou histórias de superação. Para Duda, a fotografia é tanto ferramenta de registro quanto instrumento de impacto. E talvez seja esse o combustível que a fez chegar até aqui.
Fotografia que gera vínculos
Entre uma lembrança e outra, Duda fala sobre as pessoas que fotografa com o cuidado de quem reconhece nelas algo familiar. As mãos se movem enquanto descreve uma das suas pautas preferidas – duas meninas enxadristas do bairro Partenon, que arrecadavam apoio para viajar a campeonato. É uma recordação que, nitidamente, desperta orgulho nela. “Elas são incríveis. Ganharam dos adultos e classificaram para a fase nacional, em Brasília, mas não tinham grana pra ir.” Ela lembra com carinho, já que foi uma história que a fez perceber como a fotografia realmente poderia ajudar alguém.
Duda conta o cenário com riqueza de detalhes: a casa simples da avó das meninas, as tardes de treino, o cronômetro marcando o tempo das partidas de xadrez. “Elas jogavam ali, no meio da laje, como se fosse uma competição mesmo. A avó me mostrou todas as medalhas, super orgulhosa. Foi muito bonito de ver”.
Ela explica que essas coberturas, envolvendo histórias de vida, a desafiam de outro modo. “Retratar o cotidiano das pessoas é difícil. A gente quer mostrar como realmente é, sem forçar, nem invadir”.
Ela também recorda de um projeto recente, sobre uma ONG que ensina futebol a crianças da periferia. “É tudo muito improvisado. Bola sem marca, colete remendado, cone feito de caixa. Mas eles fazem por amor. E eu penso: se uma pessoa com grana vê isso e resolve ajudar, já muda tudo”.
Entre a paixão pelo flagrante esportivo e as pautas sociais, Duda transita com naturalidade, sem hierarquizar o que mais importa. “Eu acho que o que me motiva é contar histórias que façam diferença para alguém, seja num campo de futebol ou numa laje onde duas meninas jogam xadrez”.
O peso do equipamento e do propósito
Quando fala sobre o seu trabalho em campo, Duda descreve a mochila que parece mais pesada que o próprio corpo: câmeras, lentes, monopé, computador, capa de chuva, panos de limpeza, banquinho. “Fotografar esporte é uma loucura”, ela diz, rindo. “A gente carrega muita coisa. As lentes são pesadas, o corpo dói. Mas eu acho que é isso que faz parte do meu trabalho, estar pronta para tudo.”
Entre o essencial, ela cita a lente 70-200mm, a “companheira indispensável” de quem precisa capturar o instante exato de um gol, um olhar ou movimento que dura menos que um segundo. O kit ideal de equipamentos da Duda, inclui ainda a 300mm, a 24-70mm e uma 50mm para os momentos mais próximos, “quando o atleta vem comemorar na tua frente e tu precisa sentir aquilo de perto”. Ela fala desses detalhes técnicos com brilho nos olhos, como quem não apenas domina essas ferramentas, mas encontra nelas uma extensão do próprio olhar.

Ainda assim, o futuro que imagina vai além das margens do campo. Ela diz que tem pensado cada vez mais em projetos autorais, em transformar o que vive nas pautas em algo maior. “Ultimamente tenho me interessado bastante pela parte mais audiovisual. Queria fazer um mini-doc, algo que envolva mais gente e tenha um impacto social”. A ideia de registrar histórias que ultrapassem o noticiário a move, e a vontade de mostrar o que ficou guardado no HD parece crescer junto com a sua trajetória.
Ao falar de si, Duda conta com ricos detalhes sobre as histórias dos outros. Cada lembrança vinha acompanhada de um rosto, um olhar e uma causa. É como se a sua trajetória fosse uma somatória dessas vidas que fotografou. Em cada imagem, há um pouco do que ela é. É nesse gesto humano que o fotojornalismo deixa de ser apenas trabalho e se transforma em propósito.
