Quatro anos atrás, 98 empresas praticaram o delito. O número pulou para 750 neste ano. O Ministério Público do Trabalho esclarece como é a investigação e punição do delito

O crime de coação ou assédio eleitoral vem recebendo destaque nas eleições de 2022 por conta do aumento no número de denúncias.

Segundo dados parciais divulgados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), houve um aumento de 765% de empresas denunciadas. O crime passou de 98 empresas em 2018 para 750 em 2022. Os dados foram registrados até o dia 20 de outubro de 2022, data em que a apuração desta reportagem se encerrou.

Coação eleitoral, conforme a procuradora regional do trabalho, Adriane Reis de Araújo, é um constrangimento, pressão ou humilhação sobre trabalhadores com o intuito de influenciar ou manipular a sua manifestação política e o seu voto aos candidatos indicados pelo empregador. Ainda segundo Araújo, nesse crime há a intenção de gerar algum dano ao empregado, seja psicológico, patrimonial ou físico.

Um dos casos denunciados neste ano no Rio Grande do Sul, que ganhou repercussão nacional logo após o primeiro turno das eleições, foi o da empresa de implementos agrícolas Stara, localizada no município de Não-Me-Toque. Na ocasião, a empresa emitiu comunicado aos seus funcionários informando que os investimentos sofreriam corte de 30% caso o candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vença — o que poderia influenciar na demissão de servidores.

Após a repercussão, a Stara publicou em suas redes sociais um comunicado rebatendo as denúncias, alegando que a ideia do documento era apenas informar os funcionários sobre os planejamentos financeiros da empresa.

O Ministério Público do Trabalho (RS) informa em seu site que a mesma empresa já havia sido denunciada nas eleições de 2018, quando foi realizada audiência e expedida recomendação de liberdade de consciência e orientação política aos empregados.

Empresa Stara alega que comunicado a funcionários era referente ao planejamento financeiro de 2023. (Imagem: Reprodução/Instagram)

Em resposta por e-mail à Beta Redação, o MPT, por meio de sua assessoria de comunicação, coloca que ainda é cedo para diagnosticar o aumento de denúncias de coação eleitoral e diz ser um fenômeno recente.

“A repercussão geral de casos na mídia é um dos elementos que podem ser considerados na balança. Uma naturalização maior de práticas abusivas poderia ser outro. Não há como o MPT oferecer uma explicação definitiva sobre o caso”, coloca a assessoria.

A demanda tem sido grande e, por conta disso, o Ministério Público do Trabalho criou um gabinete de crise para estudar a questão. No Rio Grande do Sul, foi instaurado o Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF) dedicado a trocar informações e analisar o grande número de casos de assédio eleitoral.

Há também uma iniciativa de centrais sindicais com o objetivo de divulgar informações sobre o crime junto da criação de uma plataforma para denúncias. O site “Assédio Eleitoral É Crime” foi idealizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Intersindical, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Sindical e Popular Conlutas (CSP), Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) e Pública — Central do Servidor.

Centrais sindicais criaram plataforma para denúncias de assédio eleitoral. (Foto: site Assédio Eleitoral É Crime)

O secretário de Relações do Trabalho da CUT do Rio Grande do Sul, Paulo Fernando Alves de Farias, aponta que o principal motivo para a criação do site de denúncias foi a alta quantidade de relatos recebidos de sindicatos filiados do interior do estado alegando crime de assédio eleitoral.

Assim como no site do MPT, a plataforma criada pelos sindicatos permite a denúncia anônima. Os relatos recebidos no “Assédio Eleitoral É Crime” são filtrados e checados por um assessor jurídico, e depois enviados ao MPT.

Farias acredita que somente com consequências mais severas aos que cometem o crime será possível diminuir o número de casos de coação em período de eleição.

“Pesadas multas, que possam afetar o bolso do empresariado, sendo essas multas revertidas aos trabalhadores daquela empresa onde aconteceu o assédio. Também, a prisão do assediador enquanto durar o processo eleitoral”, coloca.

Denúncias, investigações e punições

A procuradora geral do trabalho do MPT, Adriane Reis de Araújo, reforça que qualquer pessoa pode denunciar o crime de coação eleitoral pelo site do órgão, pelo aplicativo MPT Pardal ou ligando para os telefones das unidades estaduais e Disque 100.

“Na denúncia, devem ser fornecidos detalhes sobre os fatos e, se possível, apresentados materiais que comprovem a irregularidade”, aponta.

Após a denúncia, o MPT autua uma NF (notícia de fato). “É um registro de que aquela denúncia chegou ao conhecimento do órgão e alguma providência será tomada”, coloca a assessoria do MPT-RS. Então, o órgão inicia uma investigação preliminar e, havendo indícios de ato ilícito praticado, pode ser instaurado um Inquérito Civil.

A partir daí, o MPT pode entrar em acordo com o acusado por meio de um Termo de Ajuste de Conduta, em que a empresa promete garantir os direitos dos trabalhadores em relação à liberdade de voto, bem como outros direitos da legislação trabalhista. Não havendo um acordo, o caso pode ser levado à justiça por meio de Ação Civil Pública (ACP).

O órgão ressalta que sua ação se dá no âmbito trabalhista, enquanto a investigação da prática do crime de coação nas eleições fica a cargo do Ministério Público Eleitoral.

“O MPT trabalha focado em fazer cessar o assédio eleitoral e impedir que volte a ocorrer futuramente, além de reparar, por meio de indenização, as práticas ilícitas já ocorridas. Nos casos que precisam ser levados à Justiça, o MPT pede na ação que a empresa se comprometa com obrigações do que fazer e não fazer conforme o que determina a legalidade”, informa a assessoria.

Caso não haja acordo com o MPT, empresas que cometem coação eleitoral podem ser julgadas pelo Ministério Público Eleitoral. (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

Caso Stara

No dia 19 de outubro de 2022, o Ministério Público do Trabalho obteve liminar, por meio de Ação Civil Pública, que obriga a Stara cumprir a legislação eleitoral. São oito obrigações à empresa, dentre elas estão: abster-se de veicular propaganda político-partidária em bens móveis e demais instrumentos laborais dos empregados, coagir ou pressionar o voto de trabalhadores para o segundo turno e reforço de comunicados por escrito que afirmem o direito de escolha política dos funcionários. O comunicado também deveria ser publicado nas redes sociais e em grupos de Whatsapp da Stara, o que foi feito pela empresa.

Há ainda pedidos de uma Ação Civil Pública a serem avaliados pelo Judiciário, como consta no site do MPT-RS. A ação pede a condenação da empresa, que teria que pagar danos morais individuais a cada funcionário que tem vínculo com a Stara até setembro de 2022. Também está sendo solicitado um pagamento no valor de 10 milhões de reais por danos morais coletivos.