Com festa na rua e lançamento de livro, artistas ocupam o centro de Porto Alegre. O projeto Marginália Metropolitana e o Coletivo Plano mostram como a literatura e a música eletrônica se cruzam para narrar experiências periféricas, coletivas e dissidentes, ampliando os limites do que entendemos por lazer, noite e cultura.
No dia 24 de maio, o centro da capital foi tomado por mais uma edição da Plano, festa de rua organizada por um coletivo independente que tem sido um dos principais nomes da ocupação cultural de espaços públicos em Porto Alegre.
Enquanto a Plano ocupava o Largo dos Açorianos, o livro Marginália Metropolitana já circulava em PDF desde abril, e ganhava seu lançamento físico em 8 de maio, na Rádio Agulha. O livro é mais um braço do projeto, onde literatura, música e rua viram um só gesto de invenção dissidente.
Reprodução / Instagram | © Marginália Metropolitana
Enquanto a parte de baixo do Viaduto dos Açorianos pulsava com a festa gratuita da Plano, ficava claro como a prática dialogava com os registros do livro: ali, a ocupação cultural acontecia em tempo real, transformando o espaço público em território de invenção coletiva. Entre um set e outro, o que se via era a política na prática, na diversidade dos corpos na pista, na potência dos sons e na rede de afetos que sustenta essa cena.

Foto: Sofia P. Gulart
Gabriel Bernardo (DJ GB), psicólogo, DJ, um dos fundadores do Coletivo Arruaça e organizador do livro Marginália Metropolitana, enxerga nessa cena muito mais que eventos isolados. “É um processo coletivo muito mais amplo”, define, enquanto descreve a estética singular do underground porto-alegrense. “ A estética sonora que atravessa esse ambiente da produção e circulação de música eletrônica em Porto Alegre e região metropolitana tem uma singularidade muito especial, com elementos de agressividade e sujeira próprios, e uma manipulação dos signos da cultura popular urbana brasileira muito interessantes”, observa.
Festa gratuita como convite à cidade
A prática de promover festas gratuitas em espaço público não é uma novidade para o Coletivo Plano. Pelo contrário: ela faz parte da essência do grupo, que costuma realizar esses eventos abertos como forma de convocar a cidade para o encontro. “Tocar na rua é, além de uma conexão diferente com a cidade, uma forma de democratizar o acesso à cultura e ao entretenimento”, explicam Fernanda Rizzo (DJ Fritzzo) e Sérgio Barsotti. “O peso da performance é diferente quando se entende que pessoas que talvez nunca tivessem a oportunidade de ocupar um espaço na pista de dança acabam se aproximando e vivendo essa experiência”.
Esse formato foi mantido no dia 24, com a ocupação embaixo do Viaduto da Av. Borges de Medeiros, ao lado do Largo dos Açorianos. “Algo que ouvimos com frequência é o quanto é significativo promover eventos gratuitos com o nível de qualidade que entregamos”, complementam os organizadores. É uma coreografia que começa com a rua, gratuita, acessível, diversa, e se estende noite adentro.

Foto: Raquel Zaffari Losekann
Livro, som e rua: a tríade da Marginália Metropolitana
A publicação, organizada por Gabriel Bernardo, é dividida em duas partes. A primeira traz reflexões e relatos dos artistas da coletânea musical, e a segunda, textos assinados por produtores e produtoras que constroem a cena local.
“Há um desconhecimento da mídia tradicional sobre o fenômeno das festas de rua de música eletrônica e todo o universo que orbita em torno desse eixo gravitacional”, observa GB. “Esse movimento alterou de forma significativa a maneira de fruir música eletrônica, de curtir uma festa e de viver a cidade”.
Reprodução / Instagram | © Marginália Metropolitana
A música como território de encontros
A coletânea musical da Marginália Metropolitana, disponível nas plataformas de streaming, reúne 14 faixas. A curadoria, mixagem e masterização são assinadas por Marcelulose (Marcelo Silva), e as faixas foram produzidas pelos artistas Faylon, PV5000, Nog4yra, Pianki, Turva e Mtn9090.
“O livro surge como possibilidade de dar mais uma camada sensível a esse registro do momento efêmero que vivemos por aqui”, explica Gabriel Bernardo. “Onde muita coisa tem sido produzida e reverberada”.
Corpos dissidentes em movimento
A cena que pulsa no Marginália Metropolitana e nas festas da Plano não se define apenas pelos artistas, mas pela teia de corpos que ocupam as ruas. “Na prática incluímos pessoas dissidentes em todos os aspectos da festa, desde a produção, execução até ao line artístico.”, explicam Fernanda Rizzo e Sérgio Barsotti, destacando a curadoria para os eventos. O resultado é um público tão múltiplo quanto a cidade real: corpos diversos, LGBTQIAP+, periféricos e aliados que transformam as pistas em territórios de acolhimento.
Essa multiplicidade ressignifica a noite porto-alegrense. “O peso da performance é diferente quando se entende que pessoas que talvez nunca tivessem a oportunidade de ocupar um espaço na pista acabam se aproximando e vivendo essa experiência, agregando vivências por meio da dança como instrumento político”, complementam os organizadores. Mais do que entreter, essas festas performam novas formas de estar na cidade, onde cultura, lazer e encontro se misturam com ativismo e ocupação.

Foto: Raquel Zaffari Losekann
Uma resposta viva à crise da noite
Apesar das análises que apontam para um esvaziamento da noite porto-alegrense, como publicado no GZH, eventos como os da Plano e o lançamento do Marginália Metropolitana revelam um movimento contrário: o de resistência criativa, descentralizada e politizada. Há vida onde há encontro, mesmo que ele não esteja onde estamos acostumados.