Volume de chuva em setembro de 2023 foi duas vezes maior do que a média dos últimos oito anos em Porto Alegre

Bairros da zona sul de Porto Alegre foram fortemente afetados por enchentes (Foto: Arthur Reckziegel)

Enxurradas nas regiões do Vale do Sinos e do Taquari foram ainda mais intensas: quase três vezes acima da média desde 2015

Por Arthur Reckziegel, Gabriel Muniz e Gustavo Bays*

Dados meteorológicos de setembro de 2023, mês em que enchentes históricas atingiram o sul do Brasil, mostram que o volume de chuva nas regiões de Porto Alegre, Vale do Rio dos Sinos e Vale do Rio Taquari foi muito acima da média dos últimos anos. Na capital gaúcha, segundo dados das estações automáticas do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a chuva acumulada em setembro deste ano foi de 394,8mm, mais que o dobro da média para o mês de setembro entre 2015 e 2022, que foi de 148,55mm.

Em Campo Bom, município do Vale do Sinos, o cenário foi ainda pior: a média de chuva para setembro, entre 2015 e 2022, foi de 166,48mm, sendo que o volume de chuva no mês, em 2023, foi de 442,2mm, quase três vezes mais. O mesmo se verifica na estação meteorológica do Inmet em Teutônia, no Vale do Taquari, que ganhou a mídia nacional em setembro por conta das catástrofes causadas pelas inundações: o volume de chuva registrado em setembro de 2023 foi de 443,4mm, sendo a média dos últimos oito anos para o mês 151,7mm (não foram computados dados de 2020 e 2021, pois não há registros na base de dados do Inmet para estes anos).


Em 2022, o parâmetro mensal das chuvas é bem mais linear, usando Porto Alegre como exemplo. A maior diferença foi entre os meses de janeiro e fevereiro. No primeiro mês do ano passado, choveu 192,8mm e, no segundo mês, 23,6mm. Olhando apenas 2023, a discrepância é grande: em abril, foram 35,4 milímetros, enquanto setembro apresentou 394mm de chuva. Novembro, com 313,3mm, foi o mês que mais se aproximou desse volume (dados captados até 25 de novembro).

O mês de agosto deste ano foi menos chuvoso em comparação a outros, nas três cidades com estações automáticas do Inmet analisadas (Porto Alegre, Cambo Bom e Teutônia). Na capital, a média entre 2015 e 2022 foi de 105,18mm. Em 2023, bateu na casa dos 77mm. Em Campo Bom, a diferença também foi grande: 117,98mm de média contra 81mm registrados em 2023. Teutônia apresentou a maior diferença, com 44 mm a menos do que a média entre 2015 e 2022 para agosto.

Uma das razões para a intensificação das chuvas extremas é o fenômeno El Niño. “O fenômeno refere-se ao aquecimento das águas superficiais do oceano pacífico, que acarretou em transformações climáticas ao redor do globo, mas principalmente na América do Sul”, descreve o coordenador do Curso de Geografia da Escola de Humanidades da PUCRS, Luciano Zasso.  “O levantamento histórico aponta que setembro e outubro são os meses em que mais chove na região. Isso acontece porque tem mais aquecimento e com isso ocorre mais evaporação, trazendo nuvens carregadas e mais precipitações. Além de aquecer, existem fluxos de ar polar, causando um choque de temperaturas que geram chuvas frontais”, explica. 

O prognóstico de futuro é complexo, com possibilidades dessas nuances climáticas se entenderem por mais meses. “O ‘El Niño’ deve seguir até março, abril. Provavelmente teremos um setembro de 2024 menos chuvoso que o deste ano. Ele acontece de forma mais acentuada de 10 em 10, ou de 11 em 11 anos. Então, o próximo pode ser daqui uma década”, afirma o especialista. 

No entanto, o pesquisador acredita que o Estado pode fazer mais para a prevenção de desastres climáticos como os que ocorreram agora. “Não temos um histórico de preparação para esses momentos. Falta muito recurso para coisas muito básicas”, analisa. “É aquela expressão do cobertor curto, até pode existir um cuidado em alguns setores, mas outros sofrem. Estamos acostumados a ver muitas ações paliativas, depois que acontecem os problemas”. 

“Perdi tudo”, diz moradora da zona sul de Porto Alegre

Sirlete Dornelles é uma das milhares de pessoas afetadas pelas enchentes no RS (Foto: Arthur Reckziegel)

Após a inundação mais recente, na metade de novembro, Sirlete Dornelles, moradora da Ilha dos Marinheiros, em Porto Alegre, há 40 anos, lavava as botas na água suja da inundação que chegou ao local no dia 21 de novembro. “As botas estão cheias de areia”, relatou. Ela, como diversos outros moradores do local, perdeu quase tudo. “Perdi minha pia, minha geladeira queimou e agora nem cama mais eu tenho. Temos que improvisar, estamos eu e minha filha dormindo no chão. Também estamos sem banheiro e sem água”, detalhou.

Outra situação preocupante é com o aparecimento de cobras nesses locais: “Minha cunhada saiu de onde mora porque apareceram três cobras. Onde vive meu ex-marido apareceu uma gigantesca e venenosa. Estamos com muito medo”, disse Sirlete.

Outro ponto afetado em Porto Alegre foi a Praia de Ipanema, onde a água avançou sobre o calçadão e a avenida Guaíba. No dia 22 de novembro, Carlos Grando, morador da localidade há mais de 30 anos, analisava a situação: “Em 2015, mesmo com as fortes chuvas, a água não chegou a essa altura. Nunca vi algo assim aqui”, contou. Diferente de Sirlete, Carlos não foi atingido pelas cheias. “Minha casa fica acima do nível da calçada, então não tive perdas materiais. Porém, diversos amigos que moram no Guarujá tiveram as casas invadidas pela água”, afirmou.

Governo não tem projetos para obras de prevenção

Questionado sobre investimentos em obras para prevenção de desastres, o governo do Estado do Rio Grande do Sul informou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), que a Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), em 2012, ficou responsável como executora de propostas para implementar obras e estudos, com o intuito de minimizar enchentes na Região Metropolitana de Porto Alegre e na capital. O termo de compromisso assinado contava com três etapas, entre elas, levantar mapas de inundações e apontar o melhor cenário de intervenção (1ª Etapa); Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (2ª Etapa); e a elaboração de Projetos Executivos das obras em si (3ª Etapa). 

Entretanto, a assessoria de imprensa da Metroplan informou que, mesmo depois de 11 anos, o avanço dos projetos ainda não se transformou em obras. Como exemplo, o órgão citou o Rio Gravataí e Afluentes, em Alvorada e Porto Alegre, que estão na fase inicial do Termo de Referência para a licitação da terceira etapa, ou seja, os projetos executivos para as obras. “Todos os envolvidos têm a responsabilidade de captar recursos (esferas Federal, Estadual e Municipal). Salientamos também que somente poderão ser captados recursos quando os projetos executivos (3ª Etapa) estiverem concluídos”, detalha nota da Metroplan.

*Reportagem produzida na atividade acadêmica de Jornalismo de Dados e Checagem (supervisão: Taís Seibt)

Beta Redação

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