Quem caminha no fim da tarde pela rua João Alfredo, na Cidade Baixa, em Porto Alegre, pode estranhar ao ver um grupo formado por cerca de 30 pessoas – todas vestidas de preto – carregando instrumentos musicais como guitarras, baixos, bumbos e pratos de bateria.
Essa galera é formada na maioria por homens entre 30 e 50 anos. Eles bebem e fumam, enquanto jogam conversa fora. O local de encontro é o bar Caos. Ali, esses irredutíveis gauleses lutam contra as legiões romanas travestidas de outros estilos musicais.
A maioria dos frequentadores do bar nesta tarde-noite são formados pelos próprios integrantes das bandas que vão tocar e amigos. Cinco grupos independentes se revezam no palco, cada um com um setlist próprio de 30 minutos, no evento Hardocore Contra a Fome. Nomes incomuns batizam essas caras nada comuns. As bandas presentes são a FxAxTx, NuGazzz, Meiera, Cavala e Katarziz.

Ás 17h subiu ao palco, a Banda FxAxTx. O nome é uma sigla para família, amizade e trambiques. A banda apresentou sete músicas compostas para o primeiro álbum.
O grupo foi criado em 2012, após os ex-integrantes das bandas Hellbound, Morales e Radioactive II se reunirem para tocar e misturar influências como o ska, metal, hardcore, reggae e uma pitada de psicodelia.
O conjunto musical reflete em suas letras protestos, afetos, desafetos, críticas, embalos de skate, tudo isso na temática da vivência urbana. Para a banda, o evento é um espaço legal para apresentar seu repertório.
O guitarrista da banda é Thiago Azevedo, mais conhecido como Cabeça. Ele e o baterista Maurício Sonnemberg, o Sumemo, trabalham atualmente tocando em boates e bares como músicos profissionais na região metropolitana de Porto Alegre.
Em suas carreiras profissionais, costumam realizar 20 shows por mês tocando reggae, um rock mais leve e MPB. “A gente percebe que o som mais pesado não engaja com o público atual e os bares não nos contratam para tocar esse tipo de música mais pesada”, lamenta Sonnemberg.

Cena de Porto Alegre
Atualmente, no centro de Porto Alegre, o único local para se consumir shows de hardcore é o Caos. O bar, fundado por Diego Dresch, está funcionando desde 2022, sempre promovendo festivais e shows de banda do cenário underground.
O espaço promove eventos como HC Contra a Fome, Metal Contra a Fome e Fervo Cultural, além de shows de bandas autorais independentes diversos estilos musicais dentro do rock.
A casa funciona todas as sextas, sábados e domingos. Voltado para um público político mais de esquerda, o espaço abre portas para bandas e eventos com temáticas antifascistas. “Antes do Caos, eu tinha o BAT, focado em MPB e música pop, porém, pós-pandemia, perdi uma sócia e optei por repaginar a casa para o cenário underground”, conta Diego.
Para o produtor musical Gustavo Mec, a pandemia foi o primeiro golpe, mas o nocaute veio depois da enchente: “Reduziu muito os locais para apresentações. No centro, só existe o Caos. Outros locais bem legais que ficavam no 4º Distrito, por exemplo, foram devastados pela enchente”.
Entretanto, graças ao esforço da galera que curte o som, há uma cena no extremo sul da cidade que resiste. “Está rolando muito festival e eventos no Garajão Underground CM, Studio Bar Casa da Gente, Gravador Pub, porém a cena está sendo composta principalmente pelos caras que vão tocar nos estúdios, o que dá um público bem menor”, explica Gustavo.
A maioria dessa galera que hoje balança a cabeça no Caos vem da região metropolitana de Porto Alegre. Entretanto, os municípios localizados nessa faixa populacional vivem realidades distintas quando o assunto é espaço para o som mais pesado.

Para a banda Meiera, a cidade de Gravataí é a pior cidade para ter uma banda dedicada a acordes mais pesados. A principal reclamação está na falta de eventos e locais para shows. “A cena está horrível, já foi boa, quando os barzinhos acreditavam nos grupos de underground, mas hoje é tudo comercial”, relata Lauri Becker, vocalista da banda.
Já em Esteio, a cena está um pouco melhor. O vocalista da banda Lokos D’Bira, Gilson Loss, destaca que a cidade promove uma integração de público de diversas bandas, o que fomenta o amor à música e renova o público.
“O Rock na Praça é o maior do estado, já virou patrimônio imaterial da cultura de Esteio e dá uma grande visibilidade para as bandas locais”, ressalta Loss. O evento, que tem mais de 23 anos de existência, é promovido pela prefeitura da cidade e conta com patrocínio de marcas locais que ajudam na divulgação.
A cidade com a cena mais ativa na região metropolitana é Canoas. Isso graças ao trabalho do coletivo BIL (Bandas Independentes Locais) – uma associação sem fins lucrativos que trabalha na organização de shows, festivais e outras ações voltadas ao fortalecimento da cadeia produtiva da música independente desde 2005.
O vocalista das bandas Simplez e CxFxCx, Renato Souza, destaca que a cidade nunca teve um local fixo para o hardcore. “Canoas nunca teve um bar de hardcore, existia um xis que a galera começou a ir e ocupar. Então, a cena é totalmente itinerante, e a galera inventa os lugares”.
Atualmente, a cena concentra-se em dois locais: Brotherhood Tattoo Pub, no centro da cidade, e no Estúdio do Beco, no bairro Fátima, mas os shows não são regulares e em sua maioria são eventos promovidos pela BILL.

Dificuldades das bandas
Apesar dos mais de 10 anos de existência, a banda FxAxTx é considerada nova na cena. Hoje em dia o grupo tenta voltar à ativa, pois viveu um grande hiato devido a pandemia de covid-19 e problemas pessoais dos integrantes. “A gente não ganha dinheiro com a banda, pois não caímos na estrada. Ninguém tem 20 anos e não estamos em São Paulo. Com o nosso som, eu te garanto que o barulho o cara ia fazer, mas agora toda a banda está mais velha e com família”, conta o baixista, Diego Machado, o Gordo.
Desde 2007 na ativa, a banda Meiera de Gravataí gravou seu primeiro CD no ano de 2009. “A gente está há quase 20 anos tocando e parece que começamos ontem. Sempre um integrante sai e não conseguimos ter continuidade”, conta o vocalista Lauri Becker.
Como a FxAxTx, a Meiera sofreu um hiato de três anos sem conseguir gravar novas músicas e nem realizar shows. No evento Hardcore Contra a Fome, o conjunto musical tocou pela primeira vez com a atual formação, e o ex-baterista da Banda Nox, Wagner Oliveira, fez seu primeiro show no grupo.
Para Dresch, a principal dificuldade da cena é promover e dar visibilidade para os grupos musicais independentes e contar com apoio para patrocinar o movimento: “Nossa principal dificuldade é chegar nos meios de comunicações, esse tema é o que mais nos preocupa”.

Falta de renovação
A presença dos jovens na cena de hardcore está menor. Segundo Sumemo, o som não atrai mais essa gurizada. “Em Porto Alegre é difícil achar um lugar que toque um som pesado e fique aberto até altas horas da noite e que tenha uma gurizada, mas é possível achar essa juventude nas festas de funk”.
Essa realidade se confirma com Sara Pereira, 18 anos, estudante do Ensino Médio. Ela relata que essa é a primeira vez que ela participa de algum evento desse tipo de estilo musical. “Na nossa turma somente eu e a minha amiga curtimos esse tipo de música, o resto dos meus colegas preferem um som mais atual. Eu curto devido à influência dos meus pais, que me mostraram o rock e eu adorei”. Sua presença no evento se deu porque o seu professor de geografia é o baterista da Banda Meiera.
Dresch comenta que o público mais jovem voltou para a cena devido à ascensão da extrema-direita, que gerou uma conexão desses jovens com sons mais extremos, porém mais o black metal e não tanto o hardcore.
Já para Souza, tem muitas bandas novas surgindo de músicos com gente de 19 até 21 anos: “A renovação do público é muito menor do que na década passada, porém a renovação sempre existe, como mostram as bandas Transmissão Beta, Ovo Frito e outras que estão fazendo um trabalho muito bonito e estão cheias de gás”.
Para Rodrigo Tavares, o Drigo, vocalista da FxAxTx, as bandas precisam ter a presença digital para renovar o público. “A gurizada de hoje não sai do celular, então, para atingir esse público, é necessário saber mexer em redes sociais e saber se divulgar. O som fica em segundo plano”, finaliza.

E, na zona sul de Poa, ainda tem o pioneiro nos eventos da cena independente, o NBRP (Nosso Bar Rock Pub) que a quase uma década fort
E, na zona sul de Poa, ainda tem o pioneiro nos eventos da cena independente, o NBRP (Nosso Bar Rock Pub) que a quase uma década fortalece e inventiva os trabalhos autorais e tributos da cidade criando um intercâmbio entre bandas de toda a cidade e região metropolitana.