Modalidade estimula prática esportiva por pessoas acima de 60 anos e contribui para o envelhecimento saudável 

Assegurar à pessoa idosa o direito ao esporte e ao lazer é uma norma instituída pelo Estatuto da Pessoa Idosa desde 2003. Mas antes mesmo de se tornar lei e sob a premissa de que a prática de exercícios físicos garante maior qualidade de vida, universidades gaúchas – entre elas a Unisinos -, junto de prefeituras e instituições privadas criaram, em 1998, jogos esportivos adaptados à prática de pessoas idosas. As modalidades foram planejadas e estimuladas como uma estratégia de política pública. Entre elas estava o jogo de câmbio, uma prática inspirada no voleibol que já conta com mais de 6 mil praticantes, conforme a Federação Gaúcha de Jogos Adaptados para Idosos (FGJAI).  

Conforme o presidente da organização e também profissional de educação física, Kassius Nitzke, a popularização do esporte fez com que em menos de dois anos, em 2000, fossem criados, no Rio Grande do Sul, os Jogos de Integração da Pessoa Idosa, promovidos ininterruptamente até 2008. 

Entretanto, devido à falta de destinação de verba estadual, em 2009 os jogos foram cancelados e houve a criação de uma comissão de idosos para buscar junto ao governo novos repasses. “Junto de universidades e grupos de professores, a comissão organizou e retomou os jogos em 2010”, explicou Kassius. Três anos mais tarde, essa comissão de idosos constituiria a FGJAI.  

Jogos de Integração da Pessoa Idosa realizados em 2017 na cidade de Tramandaí. (Foto: FGJAI/Reprodução)

Um dos primeiros desafios da federação, em 2013, foi adaptar as regras do esporte e padronizar a forma de jogar câmbio em todo o estado. “Quando o câmbio foi criado, o principal objetivo era recreativo. O jogo foi evoluindo e se criaram duas modalidades: o integrativo e o competitivo. Ambos têm as mesmas regras”, comentou Nitzke. A diferença está na intencionalidade: participar de campeonatos ou jogar só pelo prazer, como é o caso da equipe de câmbio da Associação Cristã de Moços (ACM), de Porto Alegre. Sob a orientação do técnico e profissional de educação física, Bruno Oliveira, os 14 praticantes treinam duas vezes na semana e participam de torneios recreativos ao longo do ano. “Não é só pelo exercício físico. A grande maioria gosta de estar conosco pelo ambiente. Eles querem muito conversar e serem ouvidos”, relatou Bruno.  

No início, os treinos da ACM tinham limitado número de praticantes, o que impossibilitava a formação de dois times – cada um requer nove atletas – e dificultava a preparação. A instituição, então, convidou crianças e adolescentes a participarem dos treinos. Além de garantir o número necessário de jogadores para cada equipe, o câmbio passou a ser utilizado pela ACM como uma ferramenta de iniciação esportiva do vôlei para os estudantes. “As crianças têm um reflexo mais apurado, o que ajuda a treinar a agilidade dos idosos e fazê-los evoluir na parte técnica”, explicou Bruno.  

O treinador reforçou, contudo, o cuidado da ACM para realização de um jogo seguro, visto se tratar de duas gerações com força e habilidade distintas. “Há uma simbiose muito legal, eles amam as crianças e as crianças amam jogar com eles”. Uma relação de carinho e cuidado que essa repórter teve o prazer de acompanhar presencialmente no dia 05 de outubro, ao participar de um dos treinos e jogar sua primeira partida de câmbio.  

Regras básicas do câmbio 

Dividido em dois sets de 15 minutos (ou quem chegar primeiro aos 15 pontos), o jogo ocorre na quadra de vôlei e cada equipe é formada por 12 jogadores, sendo 9 titulares e 3 reservas. Diferente do vôlei, o câmbio não conta com levantamentos ou bloqueios, consiste basicamente em arremessar e agarrar a bola, sendo permitidos até três toques. Todos os arremessos da equipe, incluindo o saque, são realizados pelo jogador que estiver na posição 8 da quadra (bem no centro). Após cada saque, a equipe faz o rodízio. Em resumo, o objetivo é agarrar a bola lançada pelo time adversário, passar ao companheiro na posição 8 e este arremessa para o outro lado da rede. Pontua-se toda vez que a bola tocar no chão.

A posição dos jogadores de câmbio na quadra. Os saques e arremessos só podem ser realizados pelo jogador na posição 8 (Foto: reprodução/Site Fique Ativo) 

Atualmente, além de ser dividido nas modalidades integrativo e competitivo, o câmbio é formado por três categorias: Master (50 a 60 anos), Sênior (mais de 60 anos) e Super Sênior (mais de 70 anos). Essa última categoria foi criada em maio deste ano, com o intuito de prolongar a permanência dos praticantes no câmbio e, ao mesmo tempo, manter o equilíbrio dos jogos.  

De acordo com o professor e coordenador dos cursos de bacharelado e licenciatura em Educação Física da Unisinos, Ednaldo da Silva Pereira Filho, o jogo de câmbio é uma atividade apropriada para a pessoa idosa pois minimiza o impacto físico e a exigência de um alto nível motor. “Isso é importante, porque na pessoa idosa você tem um comprometimento na estrutura das articulações, que já não têm o mesmo poder de amortecimento do que o corpo jovem, além de um processo de desgaste ósseo”. Ele explica que pessoas idosas têm, por exemplo, dificuldade para dar o toque do voleibol, e no câmbio você precisa simplesmente segurar a bola, uma habilidade motora mais simples. 

Edição dos Jogos de 2011 reuniu 1,5 mil idosos. (Foto: SJDH RS/Reprodução)

Durante a primeira experiência presencial desta repórter com o câmbio – numa equipe formada por três crianças e cinco jogadores acima dos 61 anos – não havia como não se contagiar com a vitalidade, alegria e o bom-humor dos praticantes. Entre um apito e outro, eles brincavam com as crianças, provocavam os adversários e comemoravam cada bola agarrada com firmeza.  

“É a alegria que faz a gente durar mais. O melhor é a gente poder estar junto fazendo essa bagunça. É isso que importa”, afirmou o praticante Adilson Chaves Souza ao final do jogo. Aos 74 anos, o ex-jogador de futebol participa há três meses da equipe da ACM. E após os treinos ainda realiza aulas de ginástica e dança. “A mente não tem idade, é o corpo que tem, mas se tu não parar, tu vais longe”.  

Qualidade de vida pelo esporte

Assim como Adilson, a colega de equipe Clari Macario também é movida a atividades físicas. Aos 86 anos, ela mora sozinha e é uma das atletas mais seniores do time de câmbio da ACM. Quando criança, dançava ballet e mais tarde participou de jogos de vôlei na Associação. Conforme aumentaram as dificuldades para executar fundamentos do esporte, ela passou a praticar o câmbio. “Está nos meus genes ser ativa. Jogar câmbio é tudo de bom: estimula a mente, nos deixa sempre em alerta, exercita as pernas e ajuda na mobilidade”. 

Em agosto, equipe da ACM participou da 2ª etapa do III Circuito de Câmbio Municipal de Porto Alegre, no Centro Comunitário Primeiro de Maio – Ceprima. À esquerda, Adilson Souza e ao centro (calças verdes) Clari Macario. Foto: (ACM/Reprodução) 

Segundo o presidente da FGJAI, Kassius Nitzke, a prática esportiva é uma forma de dar autonomia à pessoa idosa, estimulando-a a sair de casa e realizar atividades do dia a dia, como tomar banho e vestir-se. Ele cita, ainda, benefícios físicos como metabolismo ativo, redução de dores musculares e ativação energética, que contribui na melhor circulação de sangue e aproveitamento de água no corpo. O treinador Bruno observa os seguintes benefícios nos praticantes de sua equipe: “melhorou o desenvolvimento motor, o tônus muscular, além de ajudar com o equilíbrio e a saúde mental”. 

Além dos benefícios físicos, o convívio em grupo, proporcionado pelo esporte, atua como fator preventivo para uma série de patologias e um importante aliado para o envelhecimento saudável da população.  

Envelhecer com saúde desde a infância

Para a professora assistente do curso de Psicologia da Unisinos, Vivian Lago, envelhecer ainda é um processo associado erroneamente às pessoas com mais de 60 anos, visto que estamos todos envelhecendo um pouco a cada dia. “Você não se prepara para a velhice quando chega nela. O envelhecimento vai depender de como você se comporta agora, com 20, 30 anos”, afirmou.  

Considerando que, em 2050, 30% dos brasileiros serão idosos, conforme projeção do Ministério da Saúde, a provocação trazida pela profissional acende um sinal de alerta para a forma como o Brasil cuida do envelhecimento de sua população. 

Segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo IBGE, em 2019, 40,3% dos brasileiros acima de 18 anos são considerados insuficientemente ativos, reflexo da falta de hábitos saudáveis e da carência de políticas públicas de incentivo à prática esportiva.  

“Não aprendemos a gostar de fazer, de maneira sistemática, atividade física moderada e vigorosa e isso repercute no nosso corpo. Temos o hábito cultural de envelhecer de maneira sedentária”, explicou Ednaldo. O professor defende a ampliação do estímulo à atividade física desde a escola e também a promoção de práticas semelhantes à da ACM, que integram jovens e pessoas idosas, dando visibilidade às modalidades adaptadas e desenvolvendo desde cedo a preocupação com o envelhecimento saudável. 

Em se tratando da faixa etária após os 60 anos, é consenso entre os entrevistados a necessidade de maior divulgação dos jogos adaptados, a exemplo do câmbio. O incentivo à prática de esportes passa pela pessoa idosa enxergar seus semelhantes fazendo atividades físicas, seja por meio da TV, nas academias ou em praças da cidade. Para Vivian, o maior investimento deve ser na população adulta. “Divulgar estratégias de prevenção e de como se preparar para o envelhecimento aumenta a probabilidade de os municípios terem idosos saudáveis”. 

Conforme ela, muito se enfatiza o lado negativo do envelhecimento, mas há sempre o lado bom: “Uma coisa é certa, envelhecer é um processo diário. Encará-lo como um copo meio cheio ou meio vazio, depende de como cada um vai olhar para isso”. E no que depender da dona Clari, atleta da ACM, vai ser com muita positividade: “Envelhecer está na cabeça. Não podemos só viver os problemas, é preciso cultivar o que é positivo”. 

Teaser dos Jogos de Integração realizados em 2022 na cidade de Tramandaí. (Vídeo: FGJAI/Arquivo Pessoal)