Realizada no dia 29 de março, às 14h, a palestra “Entre o fato e ficção: perspectivas da memória” trouxe as fotografias de Erick Peres e Afonso Pimenta. A atividade, que integrou a 14° Bienal do Mercosul, se propôs a estabelecer um diálogo com os artistas a partir do projeto Retratistas do Morro, representado por Pimenta, e do livro O Choro Pode Durar uma Noite, Mas a Alegria vem pela Manhã, escrito por Peres. Foram aproximadamente duas horas de conversa com o público presente.
Retratistas de Morro, que leva a curadoria de Guilherme Cunha, já tem mais de 50 anos de história e tem como objetivo retratar rostos e estéticas brasileiras ao longo das décadas de 1960 a 1990. Isso seja, talvez, um dos aspectos mais interessantes dessa iniciativa: o “passar do tempo”, presente nas fotografias, feitas por Pimenta e pelo seu companheiro João Mendes. Nelas, foi possível identificar retratos, objetos e momentos da vida cotidiana dos moradores do Aglomerado da Serra, comunidade ao sul de Belo Horizonte (MG).
A fotografia, nesse sentido, se mostra como instrumento de arte, resistência, de história e de celebração da cultura e estética preta em BH e no Brasil. “São 43 anos trabalhando com o mesmo tipo de câmera. Meu acervo tem mais de 300 mil registros. A fotografia pra mim é uma brincadeira”, relatou Afonso.
Reprodução / Instagram | © Afonso Pimenta
Oriundo da pequena cidade de São Pedro do Suaçuí, Pimenta, ao relatar sua história no evento, contou que a fotografia entrou “mais tarde” na sua vida, já que a sua primeira formação é Educação Física e Artes Marciais. Além disso, trouxe relatos interessantes sobre a passagem do analógico para o digital. “Eu carregava três máquinas analógicas, que são muito pesadas. Quando migrou para o digital, não mudou muito, porque você acompanha. Mas eu não acreditava que o digital ia dar certo. Eu relutei para migrar”, comentou o fotógrafo.
Algumas de suas fotos mais marcantes foram os retratos nos bailes, que mostravam uma beleza retrô, a partir das roupas, sapatos e acessórios das pessoas. Além disso, as fotos de formaturas e aniversários transpareciam o sentimento de alegria, o movimento das palmas e o som das risadas. “Se eu vejo qualquer foto no meu trabalho que não me agrada, ela não vai te agradar também. Meu olho é lírico para aquilo que é o assunto.”
Neste link, é possível visualizar a icônica foto do aniversário, de Pimenta:
Reprodução / Instagram | © Afonso Pimenta
Já o trabalho de Erick Peres tocou os corações do público de uma forma disruptiva, criativa e sensível. O artista, nascido no bairro Jardim Carvalho, em Porto Alegre, vive atualmente em São Paulo e é possível encontrar o seu trabalho nas coleções Joaquim Paiva (MAM Rio), MIS-SP, Calmon-Stock e Mediterraneum Collection, na Itália. Embora a nacionalização e internacionalização sejam aspectos fantásticos do trabalho de Peres, a parte mais interessante da sua obra está no retorno à sua terra natal e a ele mesmo.
Os pontos de partida das fotografias de Peres foram a ausência de seu pai, a criação de sua mãe e as relações com seus amigos. A partir de elementos encontrados no seu bairro e na sua cidade, como cadeiras de bar, garrafas de cerveja e lençóis, o artista recriou cenários e histórias que conversam diretamente com sua, numa ode criativa e sensível ao cotidiano. Na apresentação, trouxe fotos do bairro, cartas de seu pai e até registros de simpatias das suas tias.

Robinho” e “Sem Título” (2022), de Erick Peres | Foto: Sofia P. Gulart
Ao ser perguntado sobre quais eram os maiores desafios e os maiores prazeres do seu trabalho, Peres comentou sobre como lidar com a própria história por meio da arte. “Eu acho que no início, para produzir esse livro, O Choro Pode Durar uma Noite, foi muito desafiador porque eu estava lidando com algo muito pessoal, né? Agora está sendo mais prazeroso, pois consegui construir um lugar mais afetivo a partir destas imagens”, contou o artista.

Página do fotolivro “O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (2023), por Erick Peres | Foto: Sofia P. Gulart
O artista está trabalhando, atualmente, em obras fotográficas que busquem representar a memória, suas cores, formatos e sensações. “Todo o trabalho é como uma musculatura. Por mais que possa mudar a matéria ou a forma, seja com madeira, seja com um arquivo, eu estou falando sobre a mesma coisa (memória). É um exercício constante da mesma pesquisa”, relatou o artista.
O evento durou cerca de duas horas e contou com as fotografias dos artistas e com vídeo sobre o trabalho do projeto Retratistas do Morro. “Foi muito significativo para mim, como uma pessoa negra da periferia de Porto Alegre. Foi uma palestra com duas pessoas que são referência para mim”, comentou o professor Luiz Lisboa, participante do evento.
Ao final, o público pôde comentar as suas impressões e fazer perguntas aos artistas, que foram questionados sobre suas histórias pessoais e sobre seus planos futuros. Luiz adiciona: “O seu Afonso tem uma foto que é essencial para mim, a do aniversário. Achei que fosse na minha rua. O Erick eu conheci depois, mas fiquei feliz em saber que ele também é da zona leste. Espero que mais gente consiga se ver no trabalho deles, em outras narrativas”.