Acúmulo de lixo em Porto Alegre gera preocupação e discordância

Solução para o destino dos descartes gerados pela tragédia na capital é complexa e exige um planejamento urgente

Desde o início do mês de maio, Porto Alegre vem enfrentando diversos problemas em decorrência das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul. Entre estes está o do acúmulo exacerbado de materiais pelas ruas. Em 19 de maio, a Prefeitura, juntamente com o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), pediu para que os moradores de locais onde a água já havia baixado colocassem seus móveis e eletrodomésticos que seriam descartados em frente à suas casas.

Entretanto, devido a grande quantidade de refugos, as equipes do DMLU não conseguiram fazer a limpeza de todo o material antes do dia 27, data na qual a previsão era de fortes chuvas na cidade, que se concretizaram. A água fez com que o acúmulo se espalhasse, além de se misturar com o lodo e o barro, dificultando ainda mais situação.

Na Vila Farrapos, Zona Norte de Porto Alegre, os moradores só conseguiram voltar para as suas casas no início de junho, um mês após as enchentes. Quando retornaram, havia muito lixo nas ruas. “Moro aqui há 43 anos, e nunca passou pela minha cabeça que eu poderia passar por isso. Estamos há dois meses vivendo da maneira mais insalubre possível. Eu perdi tudo”, desabafa Adelaide Teixeira, que é uma das lideranças da comunidade.

No bairro Sarandi, a situação também se repete. Os descartes tomaram conta das calçadas no mês de junho. Na Rua Aderbal Rocha de Fraga, a limpeza das calçadas levou quase um mês. “Locais como Sarandi e Vila Farrapos foram locais muito atingidos, com certeza. No entanto, depois de quase 60 dias de trabalho, nossas equipes já fizeram a limpeza de mais de 80% dos materiais que ficaram acumulados ali”, explica o diretor-geral do DMLU, Carlos Alberto Hundertmarker.

O que são os “bota-espera”?

Para dar uma solução momentânea para o acúmulo de refugos, a Prefeitura criou os chamados bota-espera que são áreas próximas das regiões inundadas, onde o DMLU descarrega os materiais recolhidos. Atualmente existem três destes locais espalhados pela cidade para receber materiais.  No total, foram destinados nove terrenos para essa finalidade durante os meses que sucederam a tragédia climática.

Desde o início de maio até o dia 2 de julho, as equipes de limpeza já tiraram cerca de 91 mil toneladas de materiais das ruas. Estes já estão sendo retirados dos bota-espera e encaminhados para o aterro de inertes, localizado em Gravataí desde o dia 21 de junho. De acordo com Hundertmarker, esse aterro tem capacidade de receber entre 77 e 180 mil toneladas de resíduos.

Rua Aderbal Rocha de Fraga no bairro Sarandi estava assim no mês de junho. Foto: Arthur Reckziegel/ Beta Redação

O que é recolhido pela Prefeitura pode ser reciclado?

Em um primeiro momento, o que é coletado e colocado nos terrenos não é separado por categorias. Dessa forma não há reciclagem nos bota-espera. Hundertmarker diz que isso acontece devido ao contato dos materiais com a água e lama contaminados. “Esses materiais que ficaram submersos são classificados como resíduos inertes de tipo dois e recebem um tratamento diferente”, explica.

Quando são transferidos para o aterro, ocorre um processo de triagem. Segundo o diretor-geral, principalmente os móveis de madeira podem ser reciclados. “Essas cadeiras e mesas são triados e em seguida podem ser triturados, reciclados, e até mesmo, servir de adubo. Porém, a gente não recomenta que as pessoas façam a limpeza deles em casa, pois apresentam risco à saúde”, alerta.

Apesar dos esforços da administração da cidade, o embaixador do movimento Lixo Zero em Porto Alegre, Lucas Fontes, afirma que esta solução está longe de ser a ideal. “Os bota-espera na verdade são lixões, porque esses pontos não são preparados para receber esse material contaminado, comprometendo o totalmente o solo destes terrenos”, opina.

Ele ainda alerta sobre o perigo para quem vive nos arredores. “Os moradores infelizmente não possuem noção do quão contaminado está o lixo e acabam indo lá para fazer coletas. Sem contar que a política nacional dos resíduos sólidos, de 2010, proíbe lixões a céu aberto”, argumenta Fontes.

Reciclagem e futuro

Questionado sobre os planos para os próximos anos, o diretor-geral Hundertmarker garante que melhorar o descarte de lixo é uma das grandes preocupações do DMLU. “A gente investe muito dinheiro para colocar esses resíduos em um aterro. O nosso departamento gasta por ano R$ 500 milhões na limpeza urbana. Este é um assunto tão caro para nós que estamos participando de diversos eventos de conscientização ambiental. Fazemos, com muita frequência, palestras em escolas municipais. Eu acredito muito na educação inicial, a gente forma um cidadão nos primeiros anos de vida”, argumenta.

Para Fontes, a grande chave para a resolução do problema no futuro, é a reciclagem e políticas públicas que incentivem isso. No seu ponto de vista, ao invés dos aterros, deveria se investir em um planejamento para destinar esses materiais para reciclagem ou, até mesmo, diretamente para um local que estivesse apto para receber esse descarte.

“A reciclagem é fundamental para que coloquemos os materiais de volta na cadeia de uso e não em aterros sanitários. De acordo com o Instituto de Pesquisas Hidráulica (IPH), em um mês o estado irá gerar mais de 40 milhões de toneladas de resíduos. Para se ter uma ideia, o Brasil inteiro gera o dobro disso em um ano. A situação é muito preocupante”, descreve o embaixador do Lixo Zero.

 

Arthur Reckziegel

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia também