ACELB – Associação de Cegos Louis Braille: acolhimento e inclusão

Há mais de 50 anos a Associação transforma a vida de pessoas com deficiência, sendo fonte de resistência contra o preconceito

Fundada em 6 de maio de 1973, a Associação de Cegos Louis Braille – ACELB é uma instituição assistencial para idosos com ou sem deficiência, cegas ou com baixa visão, localizada na Rua Braille, no bairro Costa e Silva em Porto Alegre. Atualmente ela é dirigida pelo presidente Odilon Souza, deficiente visual que também atua no Conselho Municipal do Idoso, e o vice Emir Roberto da Silva, que atuam na busca da inclusão de seus usuários na vida comunitária.  Hoje em dia, a casa abriga cerca de 40 moradores e conta ajuda de doações. 

Origem e missão 

A ACELB tem suas origens na Sociedade Esportiva Louis Braille (SELB), fundada em 1973 por um grupo de cegos que queriam praticar esportes. Já na década de 1980, a instituição ampliou sua atuação social e passou a se chamar Sociedade Louis Braille (SOLB). Em 1998, com a crescente necessidade de assistência a pessoas cegas em situação de vulnerabilidade, alterou sua razão social para ACELB. Com isso, em 2000, a ACELB inaugurou a Casa Lar do Cego Idoso, oferecendo acolhimento institucional a idosos cegos.  

O presidente Odilon Souza diz que a missão da Associação é atuar na luta e defesa dos direitos desta população, prestando um atendimento de orientação, atividades de socialização em grupo de convivência a pessoas com deficiência visual, além de prestar um atendimento digno em regime de longa permanência a pessoas idosas com deficiência visual em situação de vulnerabilidade social.  

O presidente da ACELB Odilon Souza, e o vice Emir, lideram a instituição que oferece acolhimento a idosos com deficiência visual e atua na defesa dos direitos dessa população.  EDUARDA CIDADE/BETA REDAÇÃO 

Já sobre o funcionamento da casa o presidente relata que a principal atividade deles hoje é o serviço de ILPI – Instituição de atendimento de Longa Permanência, ou seja, atendimento 24h sem interrupção de segunda a domingo. “Para um atendimento ILPI, nós temos toda uma organização. Temos uma cozinha toda especializada, uma academia e uma sala de fisioterapia. Contamos com profissionais desde médicos, enfermeira, nutricionista, assistente social, fisioterapeuta, psicólogo”, afirma.  

O presidente Odilon Souza explica que a ACELB se especializou no serviço social após uma decisão conjunta com as outras associações do estado em que cada uma iria focar em uma área diferente. “Eu participei desse grupo que decidiu que a Associação de Cegos do Rio Grande do Sul – ACERGS é responsável pela parte da empregabilidade/ profissionalização e esporte, a União de Cegos do Rio Grande do Sul – UCERGS na área de formação e inclusão pela educação e nós aqui ficamos com a área de serviço social. Então cada um está fazendo uma coisa”, conta. 

Odilon conta que para manter o espaço de 2400m² com quatro pavimentos, no qual contém todas as salas de apoio, depósitos e os 28 quartos que abrigam de dois a quatro moradores, eles dependem de doações. “É pedir, pedir e pedir. Entendeu? Temos como fonte de renda, esse pessoal que mora aqui, esses 40 e poucos que colaboram com a aposentadoria deles, familiares que colaboram um pouco. E em torno de 40% da despesa da casa é financiada por projetos da prefeitura, como emenda parlamentar, que é do Fundo Municipal do Idoso e do Conselho Municipal do Idoso”, destaca. 

O presidente ressalta que eles também contam com um quadro de sócios e que uma das fontes de renda que mais ajudam eles é a Renúncia fiscal do Imposto de Renda, em que a pessoa física pode descontar até 6% do imposto a pagar. “E a pessoa jurídica, que são as empresas, podem abater do Imposto de Renda a pagar também até 2% do débito. Ou seja, por exemplo, em vez de ela pagar 100 pila para o Governo Federal, ela paga 98 pila e 2% ela bota no nosso projeto”, reforça. 

De amizades de longa data a casais 

Circulando pelos dormitórios podemos conhecer histórias de alguns moradores queridos por todos. Em um dos quartos mais animados da Associação, encontramos Marlene Aguiar, de 82 anos, e Marli Silva, de 80 anos, ambas beneficiárias do BPC (Benefício de Prestação Continuada), amigas de longa data que dividem o dormitório há 21 anos e que já se conheciam antes de ir para a ACELB. Marli conta que o que mais gosta de fazer é tomar um cafezinho e ouvir música no rádio. Já Marlene, mais conhecida pelo apelido de Teteia, carrega consigo o dom musical da família, pois assim como o irmão, o cantor Zezinho, da dupla tradicionalista Zezinho e Julieta, ela também embala os corredores da casa com a sua voz e a melodia da sua gaita, presente que recebeu em 2023 do cantor nativista Daniel Torres.   

Marlene Aguiar, a Teteia, cresceu em uma família de músicos e toca gaita e violão. EDUARDA CIDADE/BETA REDAÇÃO 

Durante a conversa com elas, Teteia mostrou a sua “bebê” que ganhou de um dos cuidadores. “Eles estavam nos perguntando o que cada um queria de Natal, aí eu falei que queria um bebê, e ganhei um. É a Giovana”, conta. 

Teteia, exibe orgulhosa sua boneca Giovana, presente de Natal que ganhou de um dos cuidadores da ACELB. EDUARDA CIDADE/BETA REDAÇÃO 

Já no quarto 18 tinha alguém a nossa espera: o corretor aposentado Ésio Benck, de 69 anos, considerado por muitos ali o sósia do Paul McCartney por conta das semelhanças físicas, maneira de se vestir e talento com o violão. Ésio conta que conheceu a Associação por conta da prima que morava perto do local. “Eu perdi a visão há 7 anos. Antes de vir para cá eu tinha uma firma de refeições coletivas, eu era bem ativo”, destaca. Quando perguntado sobre como sente ali em relação ao espaço, a se sentir incluso, ele aponta: “Aqui é muito bom pois tem tudo que a gente precisa, não falta nada, várias refeições pelo dia e temos autonomia para fazer o que tivermos vontade”, afirma. 

Morador da ACELB, Ésio tem no violão um de seus companheiros, mas diz que sua maior conquista é ser pai de dois filhos, que vivem no Brasil e na Nova Zelândia. EDUARDA CIDADE/BETA REDAÇÃO 

Para Ésio, a conquista maior da vida dele foi a de ser pai. “Ah, eu tenho dois filhos e acho esse o momento mais especial da vida de uma pessoa. Eu tenho um filho de 41 anos que mora na Nova Zelândia, já faz 13 anos, e outro de 21 anos, que mora aqui em Santo Antônio da Patrulha”, aponta. 

Ésio relata que ainda tem dificuldade em aceitar que não têm mais o mesmo vigor que antes devido à cegueira, tendo assim dias mais para baixo, mas tocar violão e ouvir música são alguns de seus hobbys. “Quando eu estou animado, eu gosto é da viola. Eu toco viola, violão e cavaquinho e dizem que eu canto”, afirma risonho. “Eu toco desde criança, meu pai me incentivava a tocar violão, ele me levava para os Ternos de Reis para tocar”, conta. Ele também faz sucesso no canal de YouTube da ACELB, do qual é produtor, com os seus vídeos cantando e tocando viola. 

No quarto ao lado, vivem os pombinhos: o vendedor aposentando Paulo Roberto, de 81 anos, e a beneficiaria do BPC, Fátima Regina, de 64 anos, que se conheceram há dois anos na ACELB e hoje estão juntos há um ano e meio, vivendo uma vida de “casados”.   

Paulo Roberto, de 81 anos, e Fátima Regina, de 64, se conheceram na ACELB há dois anos e hoje vivem juntos, compartilhando amor e companhia na instituição. EDUARDA CIDADE/BETA REDAÇÃO 

“Eu a conheci aqui. A minha história é que quando eu vim para cá, eu havia ficado viúvo. Aí nós nos encontramos aqui. E já faz dois anos que estamos juntos, dividindo o quarto, juntamos as coisas né, papel não tem mais. Mas é muito bom ter com quem passar o tempo junto” aponta Paulo. 

Paulo se mudou para a Associação em 2022, após receber a dica de um conhecido. “Foi através do diretor do Dmae, eu estava procurando um lugar para ir e ele disse assim: ‘Tem um lugar bom lá para ti, na casa lá dos cegos e do idoso, que é melhor que Asilo Padre Cacique, Espanha e tal. Aí eu vim para cá e tô há dois anos e meio, não tem do que reclamar tudo funciona bem, nós temos a opção de querer fazer ou não algo, fora as várias opções de lazer”, aponta. 

Acabar com a invisibilidade  

No Brasil, o Estatuto da Pessoa Idosa é uma lei (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003) que estabelece os direitos das pessoas com 60 anos ou mais, com o objetivo de garantir seu bem-estar, dignidade, cidadania e participação ativa na sociedade, abrangendo áreas como saúde, educação, trabalho, previdência social, assistência social, habitação, transporte e acesso à justiça, promovendo a proteção integral e combatendo qualquer forma de negligência, discriminação, violência ou abuso contra os idosos. Ao reconhecer o envelhecimento como uma etapa natural da vida, o estatuto busca assegurar que essa população tenha condições de viver com autonomia, segurança e respeito. 

Já a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, estabelece os direitos e garantias das pessoas com deficiência no país, tendo como objetivo principal assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício pleno e efetivo dos direitos das pessoas com deficiência, promovendo sua inclusão social e cidadania. A LBI também abrange diversas áreas como acessibilidade, educação, trabalho, saúde etc.; e reforça a responsabilidade do Estado, da sociedade e da família na garantia da igualdade de oportunidades. 

Mas, infelizmente, no dia a dia desse grupo, a realidade é outra. Apesar de serem muito necessários e ambos os estatutos se complementarem, Odilon aponta que um dos maiores desafios pelo qual eles passam é a falta de conscientização da sociedade e ser considerado inútil por ela. 

“A sociedade nos considera um peso, nos considera pessoas que não serve para nada, ainda mais o velho, você é duplamente é discriminado. Situações como por exemplo, eu fui em uma faculdade participar para uma reunião e na sala havia o trilho tátil, mas eles colocaram as cadeiras tudo em cima dele, então fui empurrando tudo. São essas coisas que as pessoas precisam se ligar. Se eu chegar em um lugar com outra pessoa, geralmente não perguntam para mim o que eu preciso e sim, para a pessoa”, ressalta ele.  

O brechó é uma das fontes de renda que ajudam a manter a ACELB em funcionamento. EDUARDA CIDADE/BETA REDAÇÃO 

Odilon é um dos integrantes e fundadores do Conselho Municipal de Defesa de Direito da Pessoa Idosa, que completou 25 de existência esse ano, em que discute os interesses e defende as necessidades das pessoas idosas e deficientes em situação de vulnerabilidade, especialmente aquelas com deficiência visual, mobilidade reduzida ou outras condições especiais. Ele falou sobre a necessidade de o Conselho ir até o seu público e exercer práticas educação social. 

“O conselho tem a função de defesa, mas as vezes isso só está no nome. O Conselho precisar se decentralizar da sala, porque lá eu falo de mim para ti, de nós para nós mesmo. E aí, o conselho fica introspectado lá dentro analisando projeto, liberando dinheiro. Mas nós somos banco ou somos conselho? Então eu venho propondo a ideia de ir em uma OSC (Organização da Sociedade Civil) por mês, para chamar a comunidade dos idosos da vila, que não estão institucionalizados e que estão sofrendo na mão de filhos que tiram o dinheirinho da aposentadoria dele, e fazer uma reunião com eles para explicar os seus direitos e deveres, porque a maioria dessas pessoas não conhecem os seus direitos”. 

Em questão de políticas públicas Odilon defende que não se tem como fazer algo sem um apoio financeiro, pois não há como ser apenas algo unilateral. Para ele, uma das maiores necessidades no momento é ter alguma política pública voltada para as ILPS de pessoas em grau 3, que são as pessoas que dependentes.  

“O grau 3 é aquele que depende de tudo. Não consegue tomar banho, comer, tem que ter ajuda. E aí o que que fazemos com aquela pessoa que teve um AVC, o idoso, ou caiu, quebrou uma perna, parou lá no hospital? Sim ele está no hospital, mas a família não tem como cuidar, então ele fica de depósito lá no hospital 4/6 meses, ou até morrer, ocupando uma vaga de quem precisa. Então nós, as instituições, podemos atender esse público. Mas quem paga? A minha pergunta sempre é essa. O grau 3 tem que ser financiado, com o dinheiro da saúde, ou seja, lá de onde for. Mas tem que ser financiado para desocupar os hospitais e receber um tratamento digno”, destaca. 

Sonhos e desejos  

O vice-presidente Emir Roberto da Silva diz que se orgulha muito das instalações da ACELB  pois é um ambiente acessível e que sente muito inspirado pelos moradores da associação, por sempre estarem muito felizes. “Cada um aqui tem um talento, sempre tem alguém tocando algo, cantando, pitando. Aqui é tão animado quanto a ‘Praça é nossa”, aponta. 

Com foco no bem-estar dos moradores, a ACELB oferece acolhimento, cuidado e atividades que promovem qualidade de vida aos idosos com deficiência visual. EDUARDA CIDADE/BETA REDAÇÃO 

Odilon conta que o seu maior sonho para o futuro da Associação é poder construir um novo prédio para atender justamente as pessoas de grau 3. “Meu sonho é que nós tenhamos possibilidade de construir um outro prédio, aqui mesmo, para que nós possamos atender esse grau três, o oriundo do hospital. Porque daí nós estamos satisfazendo a sociedade, a família e a própria pessoa, porque sabe que num local assim, o seu familiar vai ser bem tratado, vai ter alegria, porque aqui a casa de cego tem uma alegria enorme. Todo dia tem gente cantando, tem gente tocando”, explica. 

Saiba mais 

Ficou interessado em ajudar a Associação de alguma forma? É possível fazer doações diretamente na sede da Associação, através do cadastro no Programa Nota Fiscal Gaúcha, ou direcionando parte do seu imposto de renda através do Fundo do Idoso ou então, fazendo doações por meio de contas bancárias e/ou chave pix: CNPJ 88.173.986/0001-60. Além disso acompanhe as novidades e trabalho deles, através dos perfis da ACELB nas redes sociais como no Instagram, Facebook e Youtube. Se deseja entrar em contato com eles é possível através: do e-mail – acelb@acelb.org.br  e/ou pelos telefones/celulares – (51) 3340-6840 / (51) 984901861. 

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