Embalados por música eletrônica, coletivos transformam festas de rua em local de diversidade e resistência cultural
O final de semana chega na região metropolitana de Porto Alegre e a capital se torna o cenário perfeito para aqueles que buscam um pouco de diversão. O plano é o seguinte: curtir a noite com os amigos, de preferência, sem gastar muito. Calçadas e praças públicas são o ponto de encontro. A música embala, o ritmo contagia, expressões artísticas independentes invadem as noites em que coletivos de música eletrônica redefinem espaços públicos da cidade com ações culturais gratuitas.
Dentre essas ações, surge o Coletivo Plano, que está presente desde 2017 nas ruas da capital. A primeira festa surgiu a partir de um evento criado pelo Facebook, com o objetivo de reunir as pessoas na rua para escutar música. Após quase 10 anos, o Plano junta cada vez mais pessoas, em espaços que celebram a diversidade cultural da cidade.
As principais influências estão em coletivos e festas da própria região, como a Vorlat Cerne e o Coletivo Arruaça. Além da cena local, eventos noturnos de São Paulo, como a Mamba Negra, também influenciaram. Assim, os coletivos abraçam diferentes comunidades, dando espaço para que pessoas marginalizadas difundam a cultura underground a partir da música eletrônica, segundo o Coletivo Plano.

Só que ocupar os espaços públicos não é uma tarefa simples para esses grupos. O Coletivo Plano, por exemplo, não faz mais eventos sem autorização pública devido a denúncias feitas por moradores da região, que reclamaram do som alto vindo da festa. “Tivemos que mudar o evento de lugar enquanto ele acontecia. Fomos da Praça da Alfândega para o Anfiteatro Pôr do Sol. Procuramos sempre manter o diálogo aberto com a vizinhança para que tudo ocorra bem”, explica o coletivo via WhatsApp à reportagem.
Porém, a ajuda do poder público para que essas festas ocorram, é mínima, segundo os organizadores. Muitas vezes, os coletivos de rua passam por restrições de local e hora, especialmente pelo chamado “horário de silêncio”, que exige a diminuição do som a partir das 22h e fica mais exigente com o passar da noite
Para Jonara Cordova, jornalista e pesquisadora do Cultpop, Laboratório de Pesquisa em Cultura Pop, Comunicação e Tecnologias, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), essas restrições partem dos próprios comércios que ficam nas redondezas de onde esses eventos acontecem, tornando esse tipo de festa quase impraticável: “No Brasil, temos mecanismos de incentivo à cultura popular e de rua, inclusive. O caminho, sem dúvidas, seria escolher melhor os nossos representantes”.
Os estudantes Bruno Campos e Manoella Lucena, que frequentam essas festas, também percebem os problemas, e consideram cada vez mais visíveis. “A política do Estado acabou com os eventos de rua, chegando ao ponto de ter cavalaria a partir da 1h da manhã na Cidade Baixa”, conta Manoella. “Acredito que ter um evento como o da Coletivo Plano, que segue firme e tem um apoio e representatividade das minorias, ajuda na recuperação dessa cultura de rua que já existiu na região”, complementa Bruno.
O grande desafio está nas limitações impostas por políticas que ainda não reconhecem o valor social e cultural das festas de rua. Os coletivos procuram outras formas de continuar mesmo após o horário de silêncio. Para o Coletivo Plano, uma forma de manter as atividades durante a noite veio a partir da criação dos afters, que são eventos fechados feitos após a festa de rua. Para continuar acessível, os ingressos são vendidos a partir de R$ 15, além de contar com listas de acesso que garantem a entrada gratuita para pessoas pretas, trans e indígenas.
Identidade
Os coletivos se tornam importantes por conseguirem reunir diferentes comunidades dissidentes a partir das festas de música eletrônica, que geralmente acontecem em grandes festivais. Algo que pode estar fora da realidade de grupos marginalizados.
Além disso, os coletivos são formados por artistas e produtores que compartilham da mesma realidade social, o que fortalece o senso de identidade que eles buscam trazer. “Um exemplo é o coletivo Turmalina, formado integralmente por pessoas pretas, e o coletivo T, formado majoritariamente por pessoas trans. Isso destaca a importância dessa dissidência de gênero na cena eletrônica de POA”, exemplifica a pesquisadora Jonara.
A identidade é o maior vínculo que os coletivos conseguem ter com a comunidade e isso incentiva cada vez mais a participação das pessoas nos eventos, que reúnem música, arte e performances em um mesmo lugar. “Os coletivos têm um posicionamento forte contra qualquer forma de discriminação. Isso faz com que o público compartilhe desses valores, criando um espaço mais seguro para a afirmação e expressão de identidades diversas”, diz Bruno.
A diversidade e a representatividade guiam as escolhas feitas pelo Coletivo Plano, principalmente na curadoria de artistas escalados para os eventos. Os line-ups, que são a programação do evento, buscam valorizar nomes locais e em início de carreira, que dialoguem com a proposta do tema da festa. “Quando tomamos essas decisões, fortalecemos o senso de coletividade que sustenta tudo o que fazemos”, conclui o coletivo.

Próximo Plano
Além de estarem criando um espaço cultural na capital, o Coletivo Plano busca consolidar sua presença em todo o Brasil, conectado a outros grupos de música eletrônica underground e, se possível, fora do país também.
Para o coletivo, o mais importante não é a ocupação, mas como cuidar desses locais, para que continuem sendo palco de futuros eventos. “Queremos promover ações sustentáveis
em nossas festas, reduzindo os impactos ambientais e estimulando uma relação mais responsável com os espaços ocupados”, informa a equipe do coletivo. O trabalho dos coletivos redefine a cultura urbana ao ocupar ruas e espaços públicos com música, arte e convivência, promovendo diversidade e inclusão de forma acessível. Através disso, é possível unir diferentes comunidades e manter os espaços públicos da cidade vivos a partir da cultura, política e lazer, fora de circuitos comerciais ou formais.
