Líder da bancada do PT na Assembleia Legislativa quer instaurar uma CPI para investigar a prestação de serviços da concessionária de energia elétrica

A privatização da CEEE, atual CEEE Equatorial, foi aprovada pela Assembleia Legislativa do RS, em uma vitória do governador Eduardo Leite (PSDB), em julho de 2019. Na apresentação do plano de privatização, 40 deputados votaram a favor e 14 foram contrários à proposta. Em março de 2021, a CEEE foi adquirida pela Equatorial em um leilão, por R$ 100 mil, em lance único. À época, o governo do estado justificou que o baixo valor se deu pelo fato de que a licença da CEEE estava próxima de expirar, por conta das dívidas, as quais a Equatorial teria que assumir.

Com a aquisição, a empresa iniciou uma série de desligamentos que resultaram na saída de quase metade de sua força de trabalho. Cerca de 998 funcionários optaram pelo plano de demissões voluntárias (PDV) oferecido pela Equatorial, enquanto um número equivalente foi demitido pela empresa.

Após isso, a qualidade dos serviços prestados decaiu e as reclamações referentes à concessionária se tornaram recorrentes. No final de 2023, a AGERGS, até então agência reguladora da CEEE Equatorial, aplicou uma multa de R$ 24,3 milhões à concessionária devido à baixa qualidade de serviços prestados pela empresa, que atende cerca de 1,8 milhão de gaúchos e gaúchas em 72 municí­pios das regiões Metropolitana de Porto Alegre, Sul, Centro-Sul, Campanha, Litoral Norte e Litoral Sul.

Devido a esses problemas, a bancada do PT na Assembleia Legislativa propôs uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a empresa. São necessárias, no mínimo, 19 assinaturas para protocolar a proposta. No momento, há 18 assinaturas a favor.

Líder da bancada do PT, o deputado Luiz Fernando Mainardi apresentou a proposta da CPI junto ao seu colega de partido, Miguel Rossetto. O líder comenta sobre as dificuldades na articulação para a tramitação da CPI. “Eu acho que o governo está acobertando tudo isso e, consequentemente, está causando prejuízo à sociedade gaúcha”, declarou o petista em entrevista exclusiva à Beta Redação.

O deputado segue tentando colher as demais assinaturas dos colegas de parlamento. “Quem fez a privatização da CEEE foi o governo Leite, imagino que seja essa a dificuldade de obter assinaturas dos deputados que são da base. Quando começar o processo de investigação, pode-se chegar à conclusão de que ela foi um péssimo negócio para o estado e para o povo gaúcho.  Então, tudo pode se voltar contra o próprio governo”, analisa.

Formado em direito, Mainardi iniciou sua carreira política como vereador em Bagé. Após, foi deputado federal pelo Rio Grande do Sul, prefeito de Bagé, secretário da Agricultura, Pecuária e Agronegócio do RS e hoje é deputado estadual. Confira a entrevista na íntegra.

Mainardi é um dos personagens fundamentais na fiscalização dos serviços das concessionárias de energia elétrica do RS | Foto: Débora Beina
Em diversas ocasiões o senhor se mostrou contrário à privatização. Seria porque entende que o serviço estatal é mais eficiente do que o privado? Ou quais seriam as motivações?

A energia em qualquer lugar é monopólio, por isso ela não pode ser privada. A eficiência de uma empresa privada se dá pela qualidade dos serviços que ela presta e pelo preço que compete com outras organizações. Não vai ter, na frente da nossa casa, opções de rede de energia para escolhermos. Ou a gente aceita a Equatorial, ou a gente fica sem energia. Além de ter um preço fixo determinado pela ANEEL, por visar o lucro, a empresa privada tende a fazer poucos investimentos e diminuir custos operacionais. Foi o que eles fizeram, diminuíram o número de funcionários e contrataram outros sem qualificação. 

O senhor conhece algum exemplo nacional ou internacional de uma privatização de serviços básicos à população que tenha funcionado muito bem?

Eu te confesso que não. Quem voltou a trazer a pauta de privatização aqui no estado foi o Eduardo Leite. Na época, inclusive, se colocou na constituição do estado um artigo que estabelece que para ser feita qualquer privatização, seria necessário escutar a população através de um plebiscito. Porém, a composição de direita da Assembleia fez uma emenda na constituição do RS retirando esse artigo.

O que eu sei é que esse assunto parou há anos. As privatizações estão praticamente paralisadas e mais de 300 empresas foram reestatizadas no mundo, ou seja, voltaram a ser estatais. A  iniciativa privada não dá conta dos interesses públicos. Ela busca o lucro incessante e nós queremos investimento na qualidade do serviço para beneficiar a população.

Apesar das milhares reclamações a respeito dos serviços da CEEE Equatorial estarem acontecendo desde que a empresa foi privatizada, por que a tentativa de instaurar uma CPI na Assembleia Legislativa foi concretizada apenas após o temporal de 16 de janeiro?

Porque os problemas foram se avolumando. Essa empresa assumiu a concessão há quase três anos. Desde o início, a gente foi fazendo reuniões com eles, e audiências públicas em várias cidades das regiões atendidas. Eles sempre afirmaram que fariam os investimentos, que contratariam mais pessoas, e nós confiamos que os serviços melhorariam. Mas os problemas foram se agravando, até que chegou o que estamos vivendo hoje.  Agora, por exemplo, nós estamos convivendo com gente que está sem luz em vários pontos. Às vezes ficam sem luz, sem nem mesmo chover. E quando dá um vento mais intenso, ficam vários dias, uma semana, dez, vinte dias, sem o serviço. Esta foi a razão de termos proposto uma CPI. Esse é o único jeito que nós temos de efetivamente cumprir o nosso mandato.

Falta apenas uma assinatura para instaurar a CPI na Assembleia Legislativa, visando fiscalizar o trabalho da CEEE Equatorial e da RGE. Quais estão sendo as principais dificuldades neste processo, e como o senhor pretende avançar em busca desta assinatura?

Quem fez a privatização da CEEE foi o governo Leite, imagino que seja essa a dificuldade de obter assinaturas dos deputados que são da base. Quando começar o processo de investigação, pode-se chegar à conclusão de que ela foi um péssimo negócio para o estado e para o povo gaúcho.  Então, tudo pode se voltar contra o próprio governo.

Acredito que esse seja o motivo dos deputados da base do Leite não votarem a favor da CPI. Já os que são da oposição, eu não sei. Qual é a preocupação que eles têm nessa investigação? É responsabilidade nossa fiscalizar. E nós vamos continuar cobrando dos parlamentares a assinatura para a CPI. Porque é incompatível, quanto menos a empresa investir nas redes para melhorar o serviço e quanto menos gente ela tiver, quanto menos gastar com salários dos seus funcionários e das empresas terceirizadas, maior será o lucro. Como ela não pode mexer na receita, porque os valores são fixos, somos nós, consumidores, que temos que pagar, porque se não pagar, fica sem luz. 

Esse é verdadeiramente um serviço que não tem inadimplência, mas, em compensação, a empresa não controla o preço. O preço é determinado nacionalmente. Então, já que não dá para mexer na receita, mexe nas despesas. Diminuindo as despesas com o pessoal e com manutenção da rede. Isso vai precarizando o serviço, vai criando os problemas que nós estamos enfrentando. Só que o lucro vai ficando cada vez maior para os donos do negócio.

A AGERGS multou a CEEE Equatorial em mais de 24 milhões de reais e mesmo assim reclamações referentes aos serviços prestados pela concessionária são diárias. Em sua análise, qual é o principal problema na fiscalização dos serviços?

Eu não sei como é que funciona a AGERGS. Te confesso que essas agências são pouco transparentes e pouco efetivas. A agência, pela gravidade da situação aqui do estado, agiu bem, porque ela praticou todas essas multas, mas lamentavelmente não foi renovado o contrato que tinha com a ANEEL. 

É lamentável que o governo do estado não tenha tomado uma providência no sentido de renovar a autorização para que a AGERGS siga no trabalho de fiscalizar a CEEE Equatorial.

Como o senhor avalia a atuação do governador Eduardo Leite a respeito da fiscalização da prestação dos serviços da CEEE Equatorial? 

Eles poderiam ter cobrado da AGERGS, renovado o convênio com a ANEEL e poderiam ter autorizado a sua base a assinar a CPI. É necessária uma investigação, para que se torne transparente quais são as obrigações que a Equatorial tem para com o próprio governo. Eles receberam uma concessão e tem responsabilidades. Mas quais são essas responsabilidades e obrigações? Se o governo quisesse, poderia ter informado, mas não informou. Por isso, eu acho que o governo está acobertando tudo isso e, consequentemente, está causando prejuízo à sociedade gaúcha. 

Sabemos que o intuito da CPI não é dar fim à privatização, e sim investigar a prestação de serviços da concessionária. Mas há a possibilidade de ocorrer a reestatização da CEEE Equatorial? Qual é sua posição a respeito?

A CPI realmente não é para questionar a privatização. Ela é para investigar as responsabilidades que essa empresa tem com os consumidores do Rio Grande do Sul e dar fim a isso que nós estamos vivendo aqui, que é um desrespeito completo. 

O que pode ocorrer é que a CPI conclua pela cassação da concessão, por não atender os requisitos contratuais e legais. Uma vez cassada a concessão, ocorre uma nova licitação e outra empresa assume. 

O governo Eduardo Leite, que fez a privatização, não vai reestatizar. Se uma nova empresa entrar, no caso de cassação, e os interesses continuarem conflitantes, em algum momento esse tema virá novamente à mesa e, a partir disso, é possível que se faça a reestatização – como já está acontecendo em outras partes do mundo.