Movimentos estudantis retomam o diálogo com o governo federal após quase sete anos

59º Conune renova e mesa diretora da entidade. (Foto: Emely Barbosa/UNE)

“Uma reforma universitária” é a maior reivindicação da União Nacional dos Estudantes (UNE), segundo a nova presidente da organização, Manuella Mirella Nunes da Silva. A nova diretoria da UNE, empossada em 31 de agosto de 2023, tem como objetivo discutir melhorias no acesso à educação pública de qualidade com o Planalto e o Congresso Nacional. A entidade busca ampliar o debate de políticas públicas para aumentar o acesso à educação de qualidade no Brasil.

De acordo com a presidente, o grande desafio atualmente é a permanência nas universidades. Manuella explica que é necessário pensar no tripé universidade, ensino e extensão, algo já estabelecido no artigo 207 da Constituição Federal. E para manter esses três eixos em funcionamento, é necessário que as políticas voltadas à assistência estudantil sejam fortalecidas.

A presidente lembra que a organização representa pautas como a lei de cotas e programas como o Reuni e o Prouni. “A gente precisa de uma reforma no ensino superior como um todo. Acho que o papel da UNE agora é fazer com que a universidade seja essa energia, essa força motriz da reconstrução do Brasil”, ressalta.

Evasão universitária foi maior na rede de ensino privado. (Gráfico: SoU_Ciência com dados das Sinopses dos Censos da Educação Superior do MEC)

Manuella avalia que hoje há uma “janela de oportunidades” no mundo, e que os jovens vão ser responsáveis por conquistar muitos avanços para o país. “A UNE tem 86 anos de luta e amor pelo Brasil, e, agora, nós precisamos lutar pelos nossos direitos, na defesa do papel da universidade”, salienta.

Enquanto líder na luta estudantil atualmente, a jovem compreende a presidência como um grande desafio e declara que é muito gratificante perceber as conquistas alcançadas e ver como isso muda a vida dos estudantes. “O movimento estudantil tem em sua essência essa motivação. Eu sei que no interior do interior de uma cidade do Brasil vai ter um menino com a bandeira da UNE, com a camisa da UNE, falando da UNE”, afirma. 

Manuella explica que a organização consegue dar respostas que a sociedade necessita, relembrando o tempo da ditadura militar, quando os estudantes resistiram e defenderam a democracia. Agora, com os governos Temer (MDB) e Bolsonaro (PL), ela relata que foi o momento dos “tsunamis da educação”, em que a UNE convocou os estudantes para as ruas para defender os seus interesses, contrapondo o ataque à ciência, à tecnologia, à inovação e às universidades. “Hoje ainda existe esse ataque, ainda falam mal da universidade federal, e esse é um discurso da Terra plana, do negacionismo da ciência”, exclama.

A presidente diz que é importante os pesquisadores brasileiros terem acesso às ferramentas para fazerem parte das discussões sobre a emergência climática, a descarbonização, a economia sustentável, a bio e a nanotecnologia, dentre outros temas. Assim o Brasil poderá conquistar um espaço significativo. “A nossa luta é para combater a desigualdade social e garantir a popularização da ciência e da universidade. E por isso a gente se une ao debate sobre a educação de qualidade”, afirma.

Manuella assegura que a meta é ampliar e atualizar todas as áreas da entidade, para que estejam em contato com a realidade das pessoas. É uma gestão com mais de 80 diretores espalhados pelo país. A rede do movimento estudantil ainda conta com as uniões estaduais dos estudantes (UEEs), os centros acadêmicos (CAs) e os diretórios centrais dos estudantes (DCEs).

Eleita em julho deste ano, no 59º Congresso Nacional da UNE (Conune), a nova presidente ressalta que este foi o congresso da volta, o primeiro após a pandemia de Covid-19 e também o primeiro já sob o governo Lula (PT). Foram mais de 12 mil estudantes em Brasília. Manuella diz que foi um momento de união, de reencontro dos estudantes com o Brasil, e que, após anos de sucateamento e ataques à educação, eles voltaram a ter espaço para diálogo.

Milhares de estudantes de todo o Brasil foram a Brasília para o congresso. (Foto: Matheus Alves/UNE)

Para a líder estudantil, a participação de Lula no Conune foi muito importante, pois essa abertura é o que se espera na democracia. “Se no governo anterior a gente nunca foi recebido, éramos atacados diariamente com deboche, hoje nós temos a possibilidade de sentar e falar ‘Olha, essa aqui é a nossa pauta, essa é a nossa ideia’. Foi fundamental a presença tanto do presidente Lula quanto dos ministros que estiveram lá para ouvir as nossas demandas”, reitera.

Lula sendo recebido no Conune, onde discursou sobre os rumos da educação brasileira. (Foto: Karla Boughoff/UNE)

Mulheres no poder

Manuella Mirella, estudante pernambucana, tem 26 anos, cursa Engenharia Ambiental no Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e é formada em Química pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). A jovem está na UNE há três anos, já tendo passado pelas áreas da Comunicação e da Cultura. 

No movimento estudantil já há alguns anos, ela conta que iniciou no centro acadêmico, foi presidente do Diretório Central dos Estudantes e depois presidente da União dos Estudantes de Pernambuco Cândido Pinto. Manuella é a segunda mulher negra eleita presidente da UNE, recebendo o cargo de outra estudante negra, a nortista Bruna Brelaz, algo inédito nos 86 anos da União Nacional dos Estudantes.

Manuella (E) e Bruna comemoram a passagem do cargo. (Foto: Karla Boughoff/UNE)

A diretora de Políticas Educacionais da UNE, Pamela Moraes Nicolau do Espírito Santo, afirma que a busca por políticas públicas na área levou também à aprovação da nova relatoria que expande as cotas para os programas de pós-graduação. A carioca, de 23 anos,  participa do movimento estudantil há cinco anos, é formada em Pedagogia, mestranda em Ensino pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e estudante de Letras na Unirio.

Pamela discursa na Marcha das Margaridas de 2023 em Brasília. (Foto: Pamela Moraes/Arquivo pessoal)

De acordo com Pamela, a UNE tem o papel central de rodar as universidades e institutos federais para acompanhar as realidades dos estudantes e, assim, organizar essa reforma universitária, pressionar pela aprovação do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) enquanto lei, das cotas para a população trans e travesti, da construção das creches universitárias e da revogação no novo ensino médio, propondo uma reforma curricular a partir de um currículo socialmente referenciado. Além de outras questões, como a luta contra os 40% de ensino a distância, temas que também desdobram-se na Diretoria de Políticas Educacionais.

A diretora ressalta que a UNE cumpriu um papel fundamental na defesa dos estudantes também na pandemia, através da campanha “Vida, Pão, Vacina e Educação”, e do debate sobre as realidades a partir do ensino remoto. Mas salienta que a tensão no país começou com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016. 

Pamela considera que a democracia ficou fragilizada, e os movimentos sociais estiveram na resistência, principalmente garantindo que os retrocessos não fossem maiores. Ela cita os cortes orçamentários nas universidades; a Emenda Constitucional 95 (EC95), apelidada de “PEC da morte” em 2016; as privatizações na educação; além das mais de 700 mil mortes na pandemia devido ao negacionismo da ciência, da eficácia das vacinas e das medidas sanitárias recomendadas.

Segundo a diretora, a UNE cumpriu seu papel na luta pela saída do ex-presidente Jair Bolsonaro do poder e agora retoma espaço para que se cobre a execução do projeto de país que foi eleito em 2022. Propostas como implementar um orçamento participativo e políticas públicas para compreender a “cara” da universidade hoje são alguns dos interesses da UNE junto ao governo. “Não basta entrar (na universidade), queremos permanecer e ter qualidade para sair com o diploma na mão”, reitera a líder estudantil.

Pamela lembra ainda que houve uma grande conquista a partir da Diretoria de Mulheres, que foi o lançamento de uma cartilha em parceria com o Ministério das Mulheres, sobre o enfrentamento das dimensões das violências contra a mulher. Entram em questão diversos dados e as condições de existência do lugar da mulher na universidade.

A diretora de Mulheres, Estefane Maria Silva Oliveira, enfatiza que a UNE é a maior entidade estudantil da América Latina e desempenha o papel de formulação, mobilização e até mesmo de impulsionamento de políticas públicas estudantis, além de representar, para os estudantes, um espaço de auto-organização. Formada em Letras pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, a jovem de 22 anos, de Pau dos Ferros (RN), conta que entrou no movimento estudantil aos 16.

Estefane defende a reforma para a construção do futuro do ensino e dos estudantes. (Foto: Estefane Oliveira/Arquivo pessoal)

Estefane considera que enfrentar a Covid-19, o sucateamento da educação e o silenciamento dos movimentos sociais nos últimos anos foram momentos desafiadores. “Regredimos tanto que tínhamos medo de morrer diariamente e nossas lutas se voltaram para a sobrevivência e defesa da continuidade das nossas instituições”, afirma.

A diretora de Mulheres destaca que a UNE vai desempenhar um papel essencial nos próximos anos na reconstrução do país. Para ela, o importante é não se acomodar e seguir a cobrança com o governo federal para que as demandas sejam atendidas. “Precisamos construir uma União Nacional dos Estudantes que esteja nas bases, em todas as universidades e faculdades do país, debatendo e construindo a política que queremos para dentro e fora das entidades”, reforça.

Estefane frisa que a pauta central na sua diretoria, hoje, é a realização do Encontro de Mulheres Estudantes, que deve ocorrer no próximo semestre. “É primordial que haja a implementação de creches universitárias e a nacionalização dos planos de combate às violências contra as mulheres nas universidades”, reitera. Ela acredita que a nova mesa diretora tem possibilidades para construir uma gestão forte. Segundo a jovem, o último Conune trouxe o sentimento de retorno do país, reafirmando a força da unidade e o quanto os estudantes conseguem, juntos, transformar todos os espaços.

A diretora de Meio Ambiente, Emely Bianca dos Santos Barbosa, paraense de 21 anos, é estudante de Economia Ecológica na Universidade Federal do Ceará (UFC) e está envolvida na luta estudantil desde o ensino fundamental. 

No congresso, Emely reforça a luta do coletivo Kizomba, do qual é integrante. (Foto: Ari Oliveira)

Emely afirma que a UNE está num processo de reconquista dos estudantes, após o governo Bolsonaro e o período de isolamento social, pois há muitos jovens que nem sequer tiveram tempo de se acostumar com o ambiente acadêmico e, também, com as reivindicações por melhores condições de ensino. “Nós temos cinco semestres de calouros que não viveram o que é a universidade, que não tiveram os processos que muitos estudantes têm de entender o que é o movimento estudantil”, pontua.

De acordo com Emely, a Diretoria de Meio Ambiente está focada na retomada das políticas ambientais que foram desmontadas nos últimos anos, com o enfraquecimento de ações e órgãos importantes, abrindo margem para que o desmatamento, as queimadas e processos legais, envolvendo a Amazônia e outros biomas, crescessem.

A diretora destaca a luta contra a aprovação do Marco Temporal, medida que, segundo ela, será extremamente danosa para os povos originários e as reservas naturais do Brasil. E, por fim, diz que pretende pautar o tema das mudanças climáticas e como elas afetam a vida das pessoas. “Hoje nós temos um grande número de estudantes da área ambiental, que estão fazendo pesquisas sobre”, explica, revelando que ela mesma trabalha em uma pesquisa sobre transição energética com foco no hidrogênio verde.

Nos bastidores da reportagem, o bate-papo do repórter com a nova presidente da UNE: Manuella Mirella. (Vídeo: Lucas Kominkiewicz da Graça/Beta Redação)