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Wallison Fortes: a corrida que começou no hospital

De motoboy a campeão mundial paralímpico, ele transformou o arrependimento em motivação e fez da pista o seu novo ponto de partida

“Eu já nasci com o desejo de ser um atleta.” Wallison Fortes sempre acreditou que o movimento era a sua forma de estar presente no mundo. Nascido em São Luiz Gonzaga, interior do Rio Grande do Sul, ele cresceu jogando bola nas ruas e nas quadras da escola. “Sempre gostava de praticar esporte, não gostava muito de estudar. Então, na escola, até muitas vezes achavam que eu tinha um problema intelectual.”

No menino, a mãe enxergou um talento em formação. “Ela começou a me inscrever nos esportes para que eu não tivesse tanta dificuldade.” Foi esse impulso familiar que fez nascer em Wallison um sonho. “Eu pensava que era muito mais fácil eu ter um futuro no esporte do que na escola.”

Mas o destino tinha outra pista preparada para ele. Aos 20 anos, um acidente de moto mudaria o rumo de sua vida. “Quando eu recebo a notícia de que eu vou ter uma perna amputada, aí sim eu penso que eu poderia ter uma vida diferente.” No hospital, veio o choque inicial e, junto, uma decisão. “Foi uma das piores sensações que eu já vivi na minha vida, a sensação de arrependimento.”

O até então motoboy, que fazia entregas por Eldorado do Sul, onde vivia, decidiu dentro do quarto branco do hospital que tentaria o sonho de ser um atleta. Dessa vez, paralímpico.

“Meu filho, se tu não te aceitar, ninguém vai te aceitar. Então, antes das pessoas lá fora te aceitarem, tu tens que saber quem tu és.” Foi esse o conselho que, segundo o atleta, sua mãe lhe deu após o acidente. Foi a partir dali que Wallison passou a se ver de outra forma. “Desde aquele dia, eu sempre tive a consciência de que se eu tenho uma perna ou se eu não tenho uma perna, eu continuo sendo o Wallison. E, a partir de agora, eu tenho que escrever a minha história.”

Do recomeço à pista

O primeiro passo da nova fase foi na água. “Meu primeiro contato com o esporte paralímpico foi através da natação. Foi importante demais pra mim ver que sim, existe uma vida após ter uma deficiência.” Depois, veio a pista. Em 2020, ele começou a treinar atletismo. “Eu comecei um pouco tarde no atletismo, então eu sabia que teria que fazer muito mais pra conseguir chegar em um sucesso na minha vida. Mas estou aí falando que é possível.”

Wallison Fortes durante sessão de treino no CETE em Porto Alegre | Foto: Giovani Baltezan / Beta Redação

“Eu tive que vender meu carro, eu passei por um período em que tive que fazer rifa, tudo isso para um dia me tornar um atleta. E a gente faz tudo isso sem saber se vai dar certo.” Treinava em pistas ruins, com tênis gastos e poucos recursos. “Por muito tempo usei tênis ruins para correr, nunca comecei com a melhor estrutura, mas eu sempre tive o desejo de um dia ser um dos melhores atletas do mundo.”

Houve momentos em que pensou em desistir. “Eu lembro de uma vez que eu fui num restaurante com a minha família e chegou na hora de pagar a conta e eu não tinha grana pra pagar. Eu falei assim, pô cara, eu tenho 23 anos, trabalho todos os dias sendo um atleta, mas eu ainda não ganhei nada por isso. Então aquilo ali me magoava muito e também, de alguma forma, me servia como um combustível para continuar.”

A virada veio quando decidiu viajar sozinho para o Marrocos. “Eu já estava há três anos batendo o recorde brasileiro, sendo campeão brasileiro, mas eu nunca tinha sido convocado pra seleção brasileira. Então eu tive que, com o meu próprio recurso, com o recurso de pessoas que me ajudaram, fazer a minha primeira viagem internacional sozinho.”

Sem falar inglês, saiu de Eldorado do Sul em busca do seu sonho. “Era a última oportunidade que eu tinha de fazer a classificação internacional. E eu falei: cara, é a única oportunidade que eu tenho, então eu tenho que ir.” Voltou de lá campeão das duas provas que disputou. “Ali eu vi que realmente eu tinha algo diferente.”

Anos depois, o ápice veio com o título mundial no Japão, mas junto dele veio também uma tragédia que atingiu todo o Rio Grande do Sul em maio de 2024. “Quando eu fui campeão mundial no Japão, minha casa estava toda alagada. Tinha mais de dois metros de água dentro da minha casa. Então, ao mesmo tempo que eu estava vivendo o pior momento da minha vida como família, eu estava vivendo o meu maior momento como atleta.”

No meio do caos, ele encontrou força. “Eu vi nesse momento pessoas que não tinham onde morar irem de algum lugar ver a minha corrida. No meio a tanto caos, as pessoas estão parando para assistir a minha prova e eu estou aqui do outro lado do mundo sendo campeão mundial.”

Fé como âncora

Hoje, com treinos diários e rotina intensa, Wallison segue centrado no sonho. “A minha prioridade é sempre o treinamento. O resto que eu tenho que fazer na minha vida é meio que do jeito que dá. Conforme o tempo que eu tenho depois do treino é onde eu tento fazer algo com eles e ter momentos de lazer também. Mas eu acabo mais tendo momentos como profissional do que como pessoa mesmo.”

Tudo isso sem reclamar e ancorado em sua fé. “Eu vejo que eu não posso levar isso como um fardo pesado, eu tenho que levar isso como um privilégio. Representar o Brasil é um privilégio. Eu sou um cara que tem muita fé em Deus. Saber que, independente do resultado, se eu ganhar ou se eu não ganhar, eu vou continuar sendo a mesma pessoa. Isso me deixa muito tranquilo.”

Wallison focado na preparação paralímpica | Foto: Giovani Baltezan / Beta Redação

Mas o discurso muda de tom quando o assunto é inclusão, pensando no coletivo de atletas paralímpicos e pessoas com deficiência. “É muito fácil pegar o Wallison Fortes como campeão mundial e incluir ele numa sociedade. Mas é muito diferente de pegar uma pessoa que hoje está passando por uma enfermidade no hospital e incluir essa pessoa sem ela ser um campeão, sem ela ter um status por trás disso.”

“Eu sou a exceção da regra. A real inclusão tem que existir no dia a dia, tratando as pessoas com respeito, com educação. Para mim, essa é a real inclusão”, finaliza.

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