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Autuações trabalhistas por NR-1 revelam ritmos distintos no Vale dos Sinos

Novo Hamburgo teve alta de 33,3% nas infrações, enquanto São Leopoldo reduziu 40%. Especialistas dizem que as empresas ainda têm dificuldade em aplicar a prevenção diária.

As autuações trabalhistas mostram um retrato da adaptação das empresas do Vale dos Sinos à nova redação da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1). Em Novo Hamburgo, houve aumento de 33,3% nas infrações entre 2024 e 2025. Em São Leopoldo, a queda foi de 40% no mesmo período. As variações revelam ritmos diferentes de adequação, mas apontam para um desafio comum: incorporar a prevenção como prática contínua.

As infrações mais frequentes nos dois municípios seguem um padrão. Entre elas estão falhas na identificação de perigos, ausência de avaliação de riscos, Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) incompleto, falta de treinamentos obrigatórios e medidas preventivas inadequadas. Embora a norma tenha sido reformulada em 2020, esses pontos seguem entre os principais motivos de autuação, especialmente em setores metalmecânicos e de transformação.

Criada em 1978, a NR-1 estabelece diretrizes gerais da segurança e da saúde no trabalho e funciona como base para todas as demais normas. Com a Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego nº 1.419, de 26 de maio de 2025, passou a exigir que riscos psicossociais (como estresse, assédio, conflitos organizacionais e sobrecarga) sejam incluídos no PGR. A atualização acompanha o aumento dos afastamentos por transtornos mentais, que figuram entre as principais causas de licença médica no país.

Para o médico do trabalho André Castro, a mudança amplia o entendimento sobre prevenção. “É necessário fazer um raio-X completo dos perigos e transformá-lo em um plano de ação concreto”, afirma. Ele explica que considerar riscos psicossociais implica revisar práticas de liderança, cargas de trabalho e relações internas. “Treinar gestores para lidar com equipes de forma mais empática também faz parte da prevenção.”

Colaborador da Infasul soldando aço | Crédito: João Mendonça

Ritmos diferentes

Embora os dados indiquem comportamentos distintos entre os municípios, ambos registram dificuldades semelhantes. São Leopoldo, polo metalmecânico com histórico intenso de fiscalização, reduziu o número de autuações, o que pode indicar que ajustes feitos em ciclos anteriores surtiram efeito. Já Novo Hamburgo apresentou crescimento, sinalizando intensificação da fiscalização e maior registro de denúncias formais relacionadas à segurança e à saúde no trabalho.

Mesmo com a queda em São Leopoldo, os dados reforçam que empresas da região ainda enfrentam obstáculos para cumprir itens básicos da norma, como avaliação contínua de riscos e registro formal de medidas de controle. Falhas nesses processos afetam diretamente o cotidiano dos trabalhadores, que permanecem expostos a riscos desconhecidos e a ambientes com ergonomia insuficiente.

Entre as empresas que já incorporam práticas preventivas, a Infasul, de São Leopoldo, desenvolvia ações voltadas à saúde mental antes da obrigatoriedade imposta pela nova NR-1. O setor de Recursos Humanos informa que treinamentos sobre assédio, prevenção ao suicídio e promoção da saúde emocional são realizados periodicamente. A empresa mantém atendimento psicológico on-line durante o expediente e uma Brigada de Emergência Psicossocial formada em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi).
“Esse cuidado sempre fez parte da cultura da empresa”, explica Cristiane Faleiro, head de Recursos Humanos. “A nova NR-1 reforça a importância de olhar para a saúde mental como parte da segurança ocupacional.”

Desafios futuros

Para especialistas da área de saúde ocupacional, essa postura ainda não é dominante entre as organizações. O CEO da Sant Saúde, Arthur Awad, avalia que muitas empresas adotaram uma posição de espera após a prorrogação das penalidades para 2026. “Há dificuldade para diferenciar riscos psicossociais profissionais e pessoais, e falta letramento sobre o tema entre gestores e empresários”, observa. Apesar disso, considera a norma um avanço. “A NR-1 reconhece que o adoecimento mental também é responsabilidade da organização. A verdadeira mudança ocorre quando os líderes enxergam isso como um dever de respeito, não apenas uma obrigação legal”, complementa.

O desafio, afirmam os especialistas, está em construir uma cultura que ultrapasse treinamentos pontuais. Indicadores como acidentes, afastamentos, satisfação dos trabalhadores e cumprimento de planos de ação precisam ser monitorados de forma contínua. A ausência desse acompanhamento provoca lacunas que afetam diretamente a segurança e o bem-estar dentro das empresas.

A expectativa é que tecnologias de monitoramento, teleatendimento psicológico e plataformas digitais ganhem espaço, permitindo que as empresas antecipem riscos e fortaleçam políticas preventivas. O uso de dados tende a integrar as decisões sobre pessoas, processos e produtividade, criando uma abordagem mais estruturada de prevenção.

Mais do que cumprir uma exigência normativa, a NR-1 propõe repensar o papel das organizações na promoção da saúde integral. A prevenção deixa de ser apenas uma obrigação legal e passa a compor a cultura empresarial, com impacto direto no bem-estar e na sustentabilidade das relações de trabalho.

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