Apesar de concentrarem o maior número de praças de Porto Alegre, bairros como Farrapos, Restinga e Sarandi registram baixa adesão ao programa municipal “Adote uma Praça”. Em contrapartida, regiões como Petrópolis e Três Figueiras encontram mais interessados em colaborar com a manutenção das áreas verdes na capital, conforme dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo Observatório de Transparência de Porto Alegre (OT-POA).
Criado oficialmente em 2015, o programa “Adote uma Praça”, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smamus), tem o objetivo de incentivar empresas, entidades e cidadãos a cuidarem de áreas públicas. A lógica é simples: quem adota se compromete com a manutenção e o embelezamento do espaço — e, em troca, pode instalar uma placa com seu nome no local. Outro projeto que busca parcerias para a manutenção dos espaços públicos é organizado pelas secretarias municipais de Parcerias (SMP) e de Governança Cidadã e Desenvolvimento Rural (Smgov), no qual uma cidadã ou cidadão voluntário é nomeado “prefeito de praça”, com a atribuição de cuidar dos equipamentos públicos, acompanhar os serviços de manutenção e comunicar problemas e ocorrências para que a prefeitura ou o adotante possa realizar as intervenções necessárias.
Para saber mais detalhes sobre a implementação dos programas, o OT-POA, iniciativa conjunta dos cursos de Jornalismo da Unisinos, PUCRS e UFRGS em parceria com a organização especializada em transparência pública Fiquem Sabendo, solicitou à prefeitura a lista de praças, adotantes e prefeitos. Como resposta, foi enviada uma lista com 756 áreas catalogadas, sendo 106 com adotantes registrados.
Como algumas áreas não tinham informações completas ou os códigos das praças estavam duplicados, foram excluídos da análise para esta reportagem alguns dos registros, fechando nosso levantamento em 742 praças, sendo 92 adotadas — 12,3% do total. Das 742 áreas mapeadas, 367, ou seja, quase metade delas, tinham um prefeito nomeado, conforme lista obtida via LAI em agosto (após contato da reportagem questionando inconsistências, a SMP informou que iria corrigir os dados no site). Uma praça adotada pode ou não ter um prefeito nomeado, e vice-versa. Em nota, a SMP explicou que pode haver espaços com dois prefeitos, desde que haja concordância entre eles sobre isso.
Proporção de áreas verdes adotadas ou com prefeitos de praças nomeados
Os bairros com maior número de praças existentes são Restinga, com 55 praças, sendo somente quatro delas adotadas; seguida por Farrapos, com 35 praças e apenas uma adotada; e Sarandi, com 30 praças, sendo quatro adotadas. Em contraste, o bairro Petrópolis tem sete praças adotadas, de um total de 14, sendo o bairro com a maior quantidade de áreas verdes mantidas com apoio de entes privados por meio do programa de adoções.
Proporcionalmente ao número de praças, o bairro Santa Cecília se destaca, com três das quatro áreas situadas na região com adotantes registrados, assim como o bairro Bela Vista, na mesma zona da cidade, que tem duas de suas três praças adotadas. Nesses três bairros, mesmo as praças que não têm adotantes contam com prefeitos voluntários nomeados, de modo que 100% das áreas verdes da região estão sob algum tipo de zeladoria adicional por parte de pessoas físicas ou empresas. Não há registro de praças nos bairros Agronomia, Boa Vista do Sul, Extrema, Lageado, Montserrat, Pitinga e São Caetano.
Veja onde ficam as praças adotadas de Porto Alegre
Um levantamento da Associação dos Auditores-Fiscais da Receita Municipal com base no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), que reflete o valor venal dos imóveis, oferece uma pista para compreender as diferenças de investimento entre os bairros da capital. O valor venal é definido pela prefeitura com base em critérios como localização, área, tipo e idade da construção, e serve como base para o cálculo do imposto, conforme a Planta Genérica de Valores (PGV).
Números divulgados pela Secretaria Municipal da Fazenda, referentes à arrecadação do IPTU em 2024, revelam contrastes expressivos. Enquanto Petrópolis lidera com mais de R$ 79 milhões arrecadados e inadimplência de apenas 3,82%, bairros periféricos, como Restinga e Farrapos, registram pouco mais de R$ 2 milhões cada, com taxas de inadimplência superiores a 20%. O cenário é inverso em bairros como Bela Vista, que arrecada cerca de R$ 46,5 milhões, com inadimplência de apenas 2,81%, enquanto Jardim Europa soma R$ 28,1 milhões, com 1,96%. A diferença na arrecadação reflete-se diretamente na infraestrutura urbana, o que sugere maior interesse ou mesmo condições de apoio à manutenção de espaços públicos nas regiões de poder aquisitivo mais alto, em comparação a bairros periféricos.
Parceria com a comunidade
Viviane da Costa Grohmann, moradora do bairro Jardim Carvalho, foi nomeada prefeita do Parque Marcos Rubin, na zona leste de Porto Alegre, em agosto de 2025. Para ela, a relação com o espaço nasceu de uma mistura de amor pela comunidade e vontade de ver os lugares públicos sendo realmente vividos.

Certificado entregue a Viviane pela Prefeitura (Foto: Arquivo pessoal/ Viviane Grohmann)
“Minha relação com o parque nasceu de uma mistura de amor pela comunidade e vontade de ver os espaços públicos sendo realmente vividos. Sempre gostei de caminhar e observar o movimento das pessoas e percebia que a praça, apesar de linda, precisava de mais cuidado e atenção”, conta Viviane. “Aos poucos, comecei a participar mais ativamente, conversando com vizinhos, fazendo pequenos registros, sugerindo melhorias e, quando percebi, já estava completamente envolvida nesse propósito de cuidar e transformar o lugar”.
Assumir o cargo voluntário de prefeita de praça foi, para ela, uma forma de transformar esse sentimento em ação concreta. “O que me motivou foi o desejo genuíno de ver um espaço público acolhedor, seguro e bonito. Um ponto de encontro para as pessoas. Eu acredito que quando a gente cuida da nossa cidade, a cidade também cuida da gente”, afirma.
No dia a dia, Viviane atua acompanhando a limpeza, a iluminação, a conservação dos brinquedos, bancos e jardins do parque, além de manter diálogo constante com a Prefeitura e a Associação dos Condomínios do Jardim Itália (Asconji), parceira na manutenção do espaço. “É um trabalho contínuo, de presença e diálogo. Converso com os frequentadores, ouço sugestões e tento estimular o uso responsável da praça”, explica.
A parceria com a Prefeitura de Porto Alegre, segundo ela, é baseada em colaboração e responsabilidade compartilhada. “Temos um canal exclusivo, o 156 dos Prefeitos de Praça, que facilita muito o contato direto com a Prefeitura”, elogia. É por meio desse canal que prefeitos voluntários registram as solicitações de demandas, como manutenção de calçamento, poda e instalação de novos itens.
Apesar dos avanços, Viviane reconhece que o trabalho também traz desafios. “A maior dificuldade é manter a conscientização constante. Ainda há quem descarte lixo no chão ou danifique equipamentos. Também há desafios em relação ao tempo de resposta de alguns serviços públicos, que nem sempre conseguem atender com a agilidade necessária”, comenta.

Placas espalhadas pelo parque ajudam a conscientizar visitantes (Foto: Arquivo pessoal/ Elizabeth Bolognesi)
Ela também destaca que o envolvimento da comunidade ainda é pequeno, mas acredita que isso pode mudar com o tempo: “Gostaria que houvesse um engajamento maior. Ainda são poucos os vizinhos que se envolvem diretamente no cuidado do espaço”.
Investimento privado
Localizado próximo às avenidas Protásio Alves e Antônio de Carvalho, o Parque Marcos Rubim ocupa uma área de 6,5 hectares. O espaço, apesar do tamanho, está bem conservado e oferece opções de lazer variadas, quadras esportivas, pracinha, cachorródromo e uma área que se tornou exemplo de parceria pública e privada. No local, duas antigas quadras de bocha estavam sem uso. A situação mudou quando a empresa Cosa Nostra Beer, em parceria com a prefeitura, adotou o espaço e realizou obras para revitalização da área, instalando containers para atividades comerciais e culturais.
O proprietário da empresa, Leonardo Foesten, relembra o início do projeto, em março de 2024: “Começamos com food trucks na calçada do parque, porque havia carência de locais de convivência no bairro. Ficamos três anos assim até descobrirmos que existia um escritório de parcerias em Porto Alegre que viabilizava projetos entre o poder público e a iniciativa privada. A partir daí, desenvolvemos um projeto específico para o bairro”.
Hoje, o espaço batizado de Quintal da Rubim conta com três containers para alimentação, uma quadra de areia para esportes como beach tennis e futevôlei, sanitários, palco para apresentações musicais e melhorias em acessibilidade e segurança, com rampas e corrimãos.

Espaço foi revitalizado e inaugurado em março de 2024 (Foto: Reprodução do Instagram @quintaldarubim)
Engajamento comunitário
Para Elizabeth Riva Bolognesi, vice-presidente da Associação dos Condomínios do Jardim Itália (Asconji), o caso do Parque Marcos Rubin mostra o quanto o sentimento de pertencimento faz diferença no cuidado com os espaços públicos. “O parque só se mantém bem cuidado porque existe um envolvimento real dos moradores”, opina Elizabeth. “Espalhamos cartazes pedindo que as pessoas recolham as fezes dos animais, não joguem lixo no chão, não joguem baganas de cigarro no chão. São atitudes simples, mas que mostram respeito pelo espaço e por quem o utiliza”.
A moradora destaca que o maior desafio é justamente manter viva essa consciência coletiva: “Mais do que recursos, o que mantém o parque vivo é a conscientização. Quando as pessoas entendem que o espaço é de todos, elas passam a cuidar de forma natural. É esse senso de pertencimento que queremos fortalecer”.
O cenário revela um desafio central: não basta ter áreas verdes — é preciso garantir cuidado, estrutura e acesso igualitário. Para Viviane, o programa “Adote uma Praça” fortalece essa rede de colaboração, pois permite que empresas, condomínios, associações e pessoas físicas se envolvam no cuidado dos espaços públicos. “É um instrumento de cidadania e colaboração que nos aproxima do poder público”, considera.
Por meio de nota, a SMP esclareceu que a demanda de Prefeitos de Praça é recebida conforme solicitações no e-mail apoiepoa@portoalegre.rs.gov.br. “A Secretaria registra o interesse e encaminha o processo de Prefeito de Praça, em todas as praças e em todos os bairros de Porto Alegre”, diz a nota enviada por e-mail. Os casos em que a reportagem identificou duplicidade ou ausência de dados foram informados à SMP. “Foi constatada a necessidade de atualização da tabela dos Prefeitos de Praça. Assim que forem revisados os processos divulgaremos nova planilha em nosso site”, segue a nota. Por essa razão, pode haver divergências entre os dados utilizados para o fechamento desta reportagem e a planilha atualizada no site da prefeitura, já que foram descartados registros inconsistentes das tabelas e mapas aqui apresentados.
Confira a lista de praças, adotantes e prefeitos por bairros de Porto Alegre
A produção desta reportagem foi orientada pelo Observatório de Transparência de Porto Alegre (OT-POA), iniciativa conjunta dos cursos de Jornalismo Unisinos, PUCRS e UFRGS, em parceria com a Fiquem Sabendo, para monitorar, fiscalizar, estimular e promover a transparência em Porto Alegre por meio de atividades de ensino e eventos públicos sobre o uso da Lei de Acesso à Informação (LAI) no contexto municipal.
O tratamento dos dados, bem como a elaboração de gráficos e mapas, foi feito por Igor Laltuf, engenheiro de dados da Fiquem Sabendo. A turma de Jornalismo de Dados da Unisinos São Leopoldo 2025/2 colaborou com a geolocalização das praças para o mapa: Amanda Kelly Silveira, Andressa Brzezinski, Anelize Mattos, Bianca Amábile Rodrigues, Bruna Pedrotti, Christian Padilha, Dener Pedro, Hemelly Marques, Isabela Chiste, Jonatas Souza, Lia Kirch, Lua Santos, Luan Oliveira, Luís Henrique Guarnieri, Nathália Rodrigues, Nicolas Suppelsa, Thiele Reis, Vitória Daitx.
