A odontologia saiu definitivamente do consultório e foi para as quadras, para os campos e para as pistas. A odontologia do esporte, especialidade reconhecida desde 2015, mostra que uma boca saudável é peça fundamental no equilíbrio de todo o corpo, sendo crucial para a performance de atletas de elite e também para a qualidade de vida de qualquer pessoa. Para desvendar os detalhes dessa área, conversamos com o Dr. Cláudio Etzberger, cirurgião-dentista pós-graduado pela PUCRS, membro da Academia Brasileira de Odontologia do Esporte e que integrou a equipe médica dos Jogos Olímpicos Rio 2016.
Em uma entrevista exclusiva, o especialista, que também coordena o Curso de Especialização em Odontologia do Esporte da Rede IOA Porto Alegre, explicou como a respiração, a saliva e uma simples mordida podem ser a diferença entre a vitória e uma lesão.
O que diferencia a odontologia do esporte da odontologia tradicional?
A odontologia do esporte é uma especialidade nova, de 2015, que saiu um pouco do foco apenas da boca e começou a analisar a influência dela no corpo. Os atletas buscavam proteção, como protetores bucais, mas isso é apenas uma pequena parte. O dentista trata desde a saliva, que influencia toda a respiração. O ponto básico do meu trabalho é o equilíbrio. Respiração e equilíbrio são fundamentais, principalmente para quem usa o corpo como ferramenta de trabalho. Um respirador bucal projeta a cabeça para frente, desequilibrando as cadeias musculares e aumentando o risco de lesões. Uma mordida cruzada é como ter uma perna mais curta: o corpo compensa de forma prejudicial. Antes, médicos não relacionavam a odontologia com o resto do corpo. Hoje, sabe-se que problemas na boca podem causar dores no ouvido, na coluna, e afetar a performance.
Você mencionou a importância da qualidade da saliva. Pode explicar melhor?
Quem tem boca seca, por exemplo, sofre mais ao praticar esportes. A qualidade da saliva, influenciada pelo pH, é afetada por suplementos e energéticos, gastando os dentes e diminuindo a dimensão vertical, a altura dos dentes. Isso comprime a coluna cervical, causando dores nas costas. Boca seca e pH alterado levam a cansaço precoce, hipersensibilidade dentária e dificuldade de desempenho. Saliva artificial ou medicamentos podem ajudar, mas é essencial controlar líquidos e suplementação, algo que muitos atletas profissionais negligenciam, tomando só energéticos e isotônicos. Além disso, desequilíbrios na mordida reduzem força, como num soco: se os dentes não tocam juntos, há menos potência.
Alguma modalidade esportiva exige mais atenção da odontologia do esporte?
Na verdade, qualquer pessoa se beneficia, do bebê ao idoso. No bebê, a respiração correta se aprende na amamentação. O uso da mamadeira pode causar respiração bucal, cansaço e má qualidade do sono. Já no idoso, o desgaste natural dos dentes diminui a dimensão vertical, encurta a coluna e gera dor. Nos atletas adolescentes, mordida cruzada ou aberta aumenta o risco de lesões musculares e articulares, sobrecarrega um lado do corpo e causa problemas posturais.

Os protetores bucais e placas usadas pelos atletas são diferentes para cada pessoa e esporte?
Sim. Os protetores e placas otimizadoras são individualizados, feitos a partir de moldes ou escaneamento, corrigindo deficiências da mordida. Assim como uma palmilha para pernas desiguais, um protetor bucal mal feito prejudica a postura e o equilíbrio. Cada caso é único; muitas vezes, atletas jovens retiram apenas dois dentes de um lado e criam desequilíbrio postural. Um dentista especializado em esporte deve ajustar esses dispositivos corretamente.
Infecções bucais afetam diretamente o rendimento esportivo?
Sem dúvida. Infecções dentárias causam desequilíbrios e interferem em qualquer tratamento de lesão. Muitos clubes têm departamentos de performance, mas sem dentistas ou psicólogos. Atletas podem vir com infecções sérias sem que o clube perceba, prejudicando a performance. É essencial radiografar e avaliar a articulação temporomandibular, única articulação dupla do corpo, cuja dor pode se manifestar de um lado ou de outro, afetando equilíbrio e rendimento.
Existem atletas que melhoraram o desempenho a partir desses tratamentos?
Sim, muitos. Nomes conhecidos incluem Nico López, Cláudio Winck, Arthur, do Grêmio, Maicon, Douglas Costa, Mário Fernandes. Goleiros como Léo Jardim e Marcelo Grohe também. Jogadores menos midiáticos, como Bruno Colaço, também tiveram melhorias documentadas.
Como funciona o atendimento de urgência quando um atleta sofre trauma dentário durante o jogo?
O protocolo imediato deve ser sair do jogo. Dois exemplos claros que não aconteceu: o Bolaños, que jogou todo o primeiro tempo com duas fraturas na boca, duas fraturas em boca. E o outro caso do Keiller, que inclusive tomou gol do Grenal, foi um Grenal que, inclusive, prejudicou muito a carreira dele. Imagina! Ele tinha duas fraturas nos dentes. Um, inclusive, que teve de ser extraído. Foi tudo divulgado, por isso que eu estou falando aqui. Foi divulgado na mídia. Porque não tinha dentista. Hoje vários clubes do interior de São Paulo, de São Paulo, onde tem faculdades fortes de odontologia, já têm, vários clubes, todos com departamentos de odontologia dentro do departamento de saúde. Claro, capitaneados por médico, porque senão já dá ciúmes, entendeu? Assim, é médico e os departamentos abaixo. Não se admite um clube sem fisiologista, nutricionista. É uma vergonha.
Atletas escondem problemas dentários por medo de serem afastados?
Sim. Jogadores omitem dores para não perder a posição. Algumas ferramentas digitais, como tablets de registro de dor, ajudam a monitorar isso, mas a falta de comunicação e acompanhamento continua sendo um problema.
Pessoas comuns também procuram seus serviços?
Sim, especialmente quem corre ou treina. Ter uma mordida equilibrada, respirar bem e dormir adequadamente beneficia qualquer pessoa, do bebê ao idoso.
Atletas precisam de cuidado vocal maior que pessoas comuns?
Sim, muito maior. A suplementação, a saliva e a respiração influenciam diretamente no desempenho. Um respirador bucal pode causar cansaço, dificuldade de cabeceio e limitações físicas. Ajustes corretos na mordida aliviam essas restrições.
No cenário estadual, algum clube já possui setor de odontologia do esporte?
Alguns, sim. Montei departamentos em clubes, como Monsoon. Infelizmente, a realidade de muitos clubes ainda é limitada.

Existem inovações tecnológicas para tratamentos na odontologia do esporte?
Sim. Tomografias e radiografias permitem melhorar a respiração, reduzir cansaço e aumentar força e equilíbrio. Protetores e placas otimizadas também influenciam a pisada, comprovado com baropodômetro. Aplicativos e dispositivos mostram desequilíbrios musculares causados por mordida incorreta.
Qual o limite que os clubes vão chegar para implementar a odontologia do esporte?
Hoje, clubes não podem mais se dar ao luxo de não ter fisioterapeutas, fisiologistas e nutricionistas. Dentistas especializados também são essenciais para prevenir infecções e lesões. Odontologia do esporte e odontologia do sono fazem parte da grade curricular das faculdades e devem ser incorporadas nos clubes. O tripé do atleta é treinamento físico, alimentação e sono, e a mordida equilibrada é igualmente essencial.
Alguma outra consideração importante?
O sono é fundamental. Um atleta precisa dormir bem para crescimento ósseo, recuperação de lesões e desempenho. Sono reparador, respiração adequada e mordida equilibrada são os três pilares que definem meu trabalho na odontologia do esporte.
