Em entrevista à Beta Redação, o ultramaratonista Tiarles Santos e a triatleta Cassia Message relatam sacrifícios necessários para alcançar o objetivo de competir profissionalmente, e dificuldades para obter apoio em um cenário em que o engajamento virtual vale mais do que os resultados reais no esporte
“Sinto a carruagem virar abóbora de novo”, diz Tiarles Santos, ultramaratonista de 46 anos, sobre retornar à realidade após dias de competição, quando dedica-se exclusivamente ao esporte. Atleta há 15 anos, Tiarles é metalúrgico há 26. A rotina, que começa às 5h20 da manhã, é dividida em três atividades profissionais: os treinos de alta performance, a carga horária CLT e a assessoria para corredores que presta junto de Cássia Message, de 46 anos, triatleta, também ultramaratonista, servidora pública e sua namorada.
A tripla jornada do casal não é uma escolha; é a necessidade que sustenta a realização do sonho de competir profissionalmente. É também o sintoma de um déficit do esporte nacional: a falta de patrocínios. Enquanto o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) celebra o investimento recorde de R$160 milhões, oferecido pela Caixa para o ciclo de Los Angeles 2028, atletas como Tiarles e Cássia enfrentam a árdua busca por patrocínios diretos.


Foto: acervo pessoal Cássia Message.
COMPETIR CUSTA CARO E APOIO É INSUFICIENTE
“Hoje em dia, é mais fácil um influencer conseguir recursos do que um atleta que entrega bons resultados”, desabafa Tiarles “Já ouvi ‘queremos alguém com mais seguidores, que faça stories no dia da prova’, mas eu sou atleta, meu foco é total no treino e na competição, nem levo o celular comigo”, acrescenta.
A falta de apoio financeiro faz com que as competições, principalmente as internacionais, exijam um investimento pesado.
“Cada treino custa em média 150 reais”, conta Tiarles. Ao detalhar as despesas, que vão da suplementação especial até o traslado dos equipamentos, Cássia relembra que já teve a sua bicicleta extraviada na véspera de uma prova.

“Se tivéssemos mais recursos, não seria tão difícil”, afirma e continua “existem empresas especializadas no transporte de equipamento esportivo, que garantem mais segurança e tranquilidade. Mas é bem mais caro, então a gente despacha no transporte comum e, reza”.
Tiarles conta com o apoio financeiro direto da Guimarães Alimentos, e afirma ser muito grato aos parceiros que tem. Além do patrocínio em dinheiro oferecido pela Guimarães, Tiarles conta com o apoio da Mania de Loja, que lhe apoia com os tênis e roupas para as competições.

“Às vezes o pessoal me pergunta ‘qual tênis tu indica? qual tu usa?’ e eu digo que eu uso o tênis que eu ganho. Se a Mania me der um Fila, eu uso Fila. Uso o que me dão”.
Neste ano, Tiarles vendeu camisetas para custear parte da ida à Grécia. Para competir na Maratona de Boston em 2024, Cássia promoveu junto à comunidade a venda de meias estampadas com joaninhas, o emoji símbolo que adotou para representá-la, ao lado do porco-espinho que representa Tiarles.
“E até cheguei a ouvir ‘bah mas tem que vender meia, camiseta? Se não pode ir, não vai’ e é uma minoria que pensa assim, mas acontece” desabafou a triatleta. “Hoje eu tenho o dinheiro todo separadinho pra cada coisa, contado. Então eu vejo as gurias correndo com umas roupas mais bonitas que as minhas de treino, mas eu aí eu penso que o dinheiro daquela bermuda mais bacana, está reservado para outras coisas”, afirma.
Editais como o Pro Esporte, do governo do RS, são alternativas para a captação de recursos mas, segundo os atletas, eles não dão conta de todas as despesas.
“O projeto prevê o aluguel do carro, mas não permite que o valor seja utilizado para a gasolina. Nós rodamos mais de mil quilômetros na BadWater” conta Cássia, se referindo à prova conhecida como a mais difícil do mundo, no deserto da Califórnia, da qual Tiarles participou em 2024.

Foto: acervo pessoal Cássia Message.
Sobre a cobrança de presença nas redes, a triatleta rebate: “Com a nossa rotina, dois empregos e os treinos, que consideramos o terceiro emprego, não sobra tempo. O descanso também é muito importante”.
Para o casal, tirar férias para lazer não é uma realidade. Os trinta dias garantidos pela CLT são calculados, divididos e reservados para as competições mais longe de Santo Antônio da Patrulha, onde moram. Questionados sobre dias de descanso sem treinos ou competições, Cássia afirma que o casal está fazendo planos.
“Talvez agora, no nosso aniversário de namoro, a gente faça algo diferente. Sair no sábado depois do meio dia, pois temos o treino com o pessoal da assessoria pela manhã, ir para algum lugar pertinho que possamos voltar ainda no domingo” enquanto conta, Tiarles a interrompe:
“Mas acho que dá para colocar um treino ai, fazer alguns quilômetros no domingo de manhã, né?” questiona o atleta, rindo, mas é perceptível que há real intenção por trás do tom bem humorado da sugestão.

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Tiarles conta que pretende correr para sempre, mas, competir em nível de alta performance, até os 50 anos de idade. O ultramaratonista ainda tem objetivos e sonhos a serem alcançados no esporte.
Em setembro, o atleta se tornou o primeiro brasileiro a completar a Spartathlon por quatro vezes consecutivas. A ultramaratona, que compreende os 246 quilômetros entre Atenas e Esparta, na Grécia, tem um significado especial para Tiarles: ele relata que alcançou a finalidade de trazer uma medalha para cada um dos seus três filhos e uma para Cássia. Questionado se vai em busca de uma para si, Tiarles diz que ainda sonha em vencer a Spartathlon:
– É ser persistente, continuar acreditando no sonho e seguir até chegar no lugar mais alto.
