Ela sonhou alto e voou longe. De Esteio, na região metropolitana de Porto Alegre, para o outro lado do mundo. Natassia Silveira, 31 anos, transformou o sonho adolescente em uma carreira internacional: hoje é comissária de bordo da Emirates Airlines, uma das maiores companhias aéreas do mundo, o que a levou a viver em Dubai e conhecer dezenas de países.
A trajetória não foi simples — foram nove tentativas ao longo de quase oito anos até conquistar a tão aguardada “Golden Call”, a ligação que selou sua aprovação. No caminho, a gaúcha superou o desafio do idioma, reprovações em dinâmicas e a concorrência acirrada de um processo seletivo global. A persistência, ela garante, foi a chave.
Casada com um galês, disciplinada na rotina fitness e carregando sempre o chimarrão na bagagem, Natassia fala nesta entrevista sobre a origem humilde, a disciplina para manter a saúde na vida aérea, as conquistas e os desafios de uma rotina em fusos horários diferentes, provando que é possível voar, literalmente, muito além das fronteiras. Confira os principais trechos da entrevista.
Você nasceu em Canoas, mas foi criada em Esteio. Como foi sua infância e quando surgiu o desejo de ser comissária de bordo?
Eu tive uma infância bem simples. Cresci em uma família pequena e humilde: minha mãe, professora e mãe solo de três filhos, sempre foi meu maior exemplo. Não tínhamos muitos recursos, mas muito amor. O desejo de ser comissária surgiu no fim do ensino médio. Eu não tinha perspectiva de fazer faculdade, não sabia o que queria. Foi minha mãe quem sugeriu a profissão, depois de ouvir falar de uma amiga que fazia o curso. Entrei para a escola de aviação e, no primeiro dia, já pensei: “eu quero ser comissária de voo”.
Antes de entrar para a Emirates, você já tinha experiência na aviação?
Sim. Trabalhei como comissária na Gol, o que me deu uma boa base antes de tentar uma companhia internacional.
Como você ficou sabendo do recrutamento da Emirates e o que mais te chamou atenção?
Na escola de aviação a Emirates é sempre muito comentada. Professores e ex-alunos já haviam trabalhado lá. Quando comecei, já era um sonho. O que mais me chamou atenção foi a possibilidade de viajar o mundo e morar fora, em um lugar mais seguro e com qualidade de vida. Sempre amei o Brasil, mas queria essa experiência internacional.
O processo seletivo da Emirates é conhecido por ser rigoroso. Quais foram as etapas mais marcantes para você?
Foram muitas tentativas. Fiz o processo nove vezes ao longo de quase oito anos. No começo, o inglês foi o maior desafio. Depois, já mais segura no idioma, comecei a reprovar em dinâmicas de grupo e até na entrevista final. O difícil é que eles nunca dizem o motivo da reprovação. Mas insisti até conquistar minha vaga.
E como foi receber a famosa “Golden Call”?
Foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida. A ligação chegou em dezembro de 2019, perto do Natal. Eu estava treinando no crossfit quando perdi a primeira chamada, mas depois eles ligaram de novo. Quando atendi e ouvi que tinha sido aprovada, chorei muito. Foi o melhor presente de Natal que já recebi.
Como foi a adaptação em Dubai?
Para mim foi relativamente tranquilo, porque já tinha morado fora, na Austrália e no Canadá. Acho Dubai um lugar muito fácil de viver, muito aberto a estrangeiros. A maior dificuldade mesmo foi lidar com o calor extremo do verão, que chega a mais de 45 graus.
Deixar o Rio Grande do Sul foi difícil? O que você leva daqui para a sua vida em Dubai?
Esse é um assunto muito sensível para mim. Tenho muito orgulho de ser gaúcha. Trago comigo meus hábitos, como tomar chimarrão e manter a bandeira do Rio Grande do Sul em casa. Também faço questão de mostrar essa cultura para meu marido, que é galês — ele já visitou o estado, adorou o churrasco e a cuca. Sempre que posso, me reúno com outros gaúchos aqui. Ser gaúcha, para mim, é o maior orgulho da minha vida.
Sua rotina combina a disciplina de atleta com as exigências da aviação. Quais práticas você adota para manter energia e saúde nesse estilo de vida?
Eu sempre digo que faço o básico, e é o básico que funciona. A alimentação saudável é imprescindível para mim. Levo minhas marmitas para os voos, porque a comida de avião não é a mais nutritiva. Tento também levar minhas refeições para alguns pernoites, dependendo do destino. Além disso, cuido muito da minha saúde mental — faço terapia, mantenho um ciclo de amigos próximo. Bebo muita água, já que o clima de Dubai e o avião desidratam muito, e procuro descansar sempre que posso. Não tem segredo mirabolante, é disciplina no simples.
Viajar pelo mundo em fusos horários tão diferentes tem lados fascinantes e exigentes. O que você mais gosta e o que é mais difícil nessa rotina?
O que eu mais gosto é poder conhecer tantos lugares e culturas. O mais difícil, sem dúvida, é o sono. É um grande desafio manter uma rotina de descanso, principalmente porque não consigo dormir durante o dia. Já cheguei a ficar mais de 24 horas acordada por causa do trabalho, e isso é muito prejudicial. Para quem treina e depende de recuperação muscular, como eu, essa é a parte mais dura da profissão.
Trabalhar em uma companhia global significa conviver com pessoas de dezenas de nacionalidades. Como é essa experiência?
É muito enriquecedor. Aprendo diariamente sobre culturas, hábitos e até países que eu não conhecia antes. Já quis visitar lugares só porque colegas falaram deles — como o Quirguistão, o Cazaquistão ou até Chipre, onde estive nas últimas férias. Claro que existem desafios, porque cada nacionalidade tem um jeito de trabalhar, o que às vezes gera atrito. Mas, no geral, considero uma das maiores riquezas da minha profissão.
Ao longo da carreira, qual foi sua maior conquista pessoal e profissional?
Sem dúvida, ter entrado na Emirates. Foram anos de tentativas e frustrações até conseguir a aprovação. Hoje, olhar para trás e ver o quanto persisti me dá muito orgulho. É minha maior conquista pessoal e profissional.
Você tem alguma história marcante dessa vida nos ares?
São muitas, mas as mais emocionantes sempre envolvem os passageiros. Já aconteceu de levar idosos que nunca tinham saído do seu país, pessoas que iam encontrar familiares depois de anos separados… Estar presente nesses momentos é muito especial. O avião é, muitas vezes, palco de reencontros e sonhos realizados.
Que conselho você daria para jovens do Rio Grande do Sul e do Brasil que sonham em ser comissários em companhias internacionais?
Eu diria para nunca desistirem. O processo é difícil, exige muito preparo — especialmente com idiomas — e a vida de comissário tem muitos desafios. Mas, se esse for o sonho, vale a pena insistir. A persistência é o que me trouxe até aqui.
Para o futuro, você pensa em voltar a morar no Brasil ou seguir a vida em Dubai?
Por enquanto, não penso em voltar. Gosto muito da vida que construí aqui, mas nunca digo nunca. O Brasil sempre será meu lar e o Rio Grande do Sul, minha origem.
