Onde o rock e o blues encontram o Rio Grande do Sul: os caminhos do músico Alexandre França

Da gravação do primeiro CD à participação no palco com artistas internacionais, França, como é conhecido, conta sobre sua trajetória, paixão pela música e contribuição para a música do RS

Não deu outra: Alexandre França topou conversar conosco na mesma hora e, em meio ao feriado chuvoso de Corpus Christi, fomos até o seu apartamento, no bairro Independência, em Porto Alegre, para falar sobre blues e rock ‘n’ roll. “Não sei vocês, mas eu não consigo sem café”, disse o músico, ao nos servir um cafezinho, enquanto a gata Bonnie nos observava do sofá. “Ela é a minha secretária. Qualquer coisa, podem tratar com ela”, brincou França. Papel, caneta e celular a postos. Era hora do show.

Alexandre Hanauer França nasceu em Porto Alegre e conta que a música sempre esteve presente “dentro de casa”. “Meu pai, que é trombonista, contava que colocava aqueles fones antigos na barriga da minha mãe, pra eu escutar Vivaldi. Então eu tenho essa conexão com a música antes mesmo de nascer.” Atualmente, França é músico, professor de música e produtor musical, e a sua grande paixão musical é o blues, gênero originado pelos povos afro-americanos nos Estados Unidos. 

Na adolescência, ele teve a primeira experiência artística em um coral em Viamão, onde cantou. Conta que foi sua primeira interação com palco e com o público. “Eu nunca mais parei. O pai tentou várias vezes me ensinar a tocar o trombone e até a guitarra, mas eu falava que era coisa de roqueiro e que eu não queria. Olha só!” À medida que ele foi crescendo, a música foi trazendo ainda mais paixão para França, que começou a tocar baixo e depois, violão. “Naquela época, a gente queria formar a primeira banda. Eu fui voto vencido. Aí sobrou pra mim tocar o baixo e cantar.” A primeira banda em que tocou se chamava Anestesia, e quem escolheu o nome foi ele, em homenagem à banda Metallica. “Foi a minha primeira experiência de tocar rock ‘n’ roll assim pra galera, num pub.”

Foto: Sofia P. Gulart

Questionado sobre como aprendeu de fato a tocar violão e guitarra, França conta que os seus amigos – que já sabiam – o ensinavam, e ele voltava ansioso para casa para praticar os acordes. O músico tocava “por ele mesmo”. Porém, foi com Ricardo Baumgarten, em meados de 2004, que ele teve as primeiras aulas de baixo. Baumgarten foi contrabaixista de artistas como Vitor Ramil e Renato Borghetti. “Ali, eu fui evoluindo e entendendo mais de teoria musical e o que os baixistas de fato faziam. Isso me gerou um novo caminho”, relatou o músico.

O novo caminho de França foi a Taxi Free, sua primeira banda profissional. O grupo tocava músicas autorais e gravava no estúdio dos Acústicos e Valvulados e na Acit, onde tocavam bandas como Nenhum de Nós e Rosa Tattooada. “A Taxi foi em 2001 e em 2004 a gente já tava em estúdio. Era uma viagem nossa, como se fosse um ‘taxi livre’ para o rock”, conta França. O guitarrista da banda era amigo de Nei Van Soria, famoso na cena gaúcha, e frequentava a loja dele. Ele relata que foi dessa forma que conheceu e teve contato com o rock gaúcho. Junto com a Taxi, França conheceu Humberto Gessinger e outros nomes da música regional. 

França gravou o primeiro CD em 2004, que foi lançado em 2005. Ele conta que este álbum foi pirateado, chegando ao público de São Paulo. A pirataria, no início dos anos 2000, era uma prática recorrente mas que, felizmente, proporcionou à Taxi Free chegar aos ouvidos do público de Taubaté e Ubatuba. Certo dia, um certo alguém – que França não se recordava do nome – ligou para ele e disse: “Olha, não é trote. O disco da Taxi Free bomba demais aqui. Me passa o número da tua conta que nós vamos comprar as passagens pra vocês. Foi nessa época que eu parei de fazer Publicidade e Propaganda na Unisinos e saí do meu emprego de oito anos no SESC. Me joguei na música”, comentou França.

Mas nem tudo foram acordes perfeitos de guitarra. Alexandre conta que se arrepende de algumas decisões, especialmente no que diz respeito à vida financeira. Além disso, ele não teve apoio dos pais, embora fossem eles que, no passado, o tivessem incentivado. “Passei perrengue de grana, entrei em depressão. Foi uma tarefa árdua para conseguir começar. Aí, eu descobri o mercado das aulas. Só de shows e sendo baixista, eu não ia conseguir. Mas também quem é que quer ser baixista?”, pergunta França no meio da conversa. Ele diz que a galera queria ser guitarrista e vocalista e por isso começou a dar aulas de violão para iniciantes. Inicia-se, então, o “flerte com as seis cordas” – e foi o blues que conduziu França nesta jornada. 

Neste novo caminho, o músico descobriu também o mercado da produção musical, onde ele tinha contato com a gestão dos shows. Com isso, mergulhou de cabeça no blues e na produção. “Hoje, eu produzo shows de artistas internacionais, faço eventos sociais e tenho clientes. Eu não tinha ninguém pra fazer isso por mim.” França produz os shows dos artistas de blues JJ Thames, cantora norte-americana, e Bob Stroger. “Levei eles para tocar para 10 mil pessoas. Ela canta pra caramba e traz novas necessidades.” 

“Aí eu comecei a entender onde eu piso aqui. Hoje, eu acho que o cenário do Blues se renovou. Nos anos 90, tínhamos nomes gaúchos do gênero, como Solon Fishbone, que começaram a atrair a atenção da galera.” França conta que, nos anos 2000, porém, havia escassez de pubs e de festivais. O mais importante deles na região, o festival de blues de Caxias do Sul, o Mississipi, aconteceu pela primeira vez em 2008. “Eu toquei na primeira edição. É um festival internacional. Isso começa a transformar este cenário aqui no RS. Então, hoje tem uma ‘cena’ nossa de blues aqui no nosso Sul”, relatou Alexandre. Para além do festival de blues de Caxias, há o Flores, Jazz e Blues, festival internacional de blues de Flores da Cunha. A próxima edição ocorre em fevereiro de 2026 e França irá participar. 

“O Alexandre do palco continua sendo aquela criança de 17 anos que subiu num palco pela primeira vez. É o meu momento e ninguém vai estragar isso. Já o cara fora do palco é aquele que tem uma visão mais focada, preocupada. Tudo para mim faz parte do viver.” Bloco fechado, gravação em pausa. Depois da conversa, seguimos para o estúdio — o templo particular de Alexandre em sua casa.

Foto: Sofia P. Gulart

Nas paredes, quadros de lendas do blues. Encostada ali, uma placa do Mississipi. Ao redor, guitarras, microfones, memórias. E, no centro de tudo, ele com o olhar brilhante de quem ainda sobe ao palco com o encantamento de uma criança. Alguns cliques de câmera, luzes quentes enjambradas e pronto: ali se desenhava o retrato do “blueseiro” gaúcho. Nada de chapéu de velho-oeste, nem de sotaque importado. O que se ouvia era o timbre cantado porto-alegrense, o miado da gata de pêlo amarelo e uma paixão genuína por trabalhar com aquilo que se ama.

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