Com uma carreira marcada pela interseção entre Direito e inovação, Letícia Batistela é uma das principais lideranças femininas do setor de tecnologia no estado. Advogada formada pela PUCRS, com especializações em Gestão de Negócios, Negociação e Governança, Letícia construiu uma trajetória sólida à frente de entidades como ASSESPRO, SUCESU e CETI. Hoje, preside a Procempa — empresa pública de tecnologia de Porto Alegre — onde conduz projetos de impacto social que colocam a tecnologia a serviço da cidadania.
Uma das fundadoras do Women in Law Mentoring Brasil (WLM), rede de mentoria para mulheres do Direito, Letícia também iniciou em novembro de 2024 como conselheira institucional do South Summit Brazil, evento que reposicionou Porto Alegre no cenário global da inovação.
Sob sua gestão, a Procempa vem desenvolvendo soluções para diversas áreas: o Complexo Regulador da Saúde organiza internações e consultas com base em inteligência de dados; a parceria com o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e a Santa Casa, é voltada à predição precoce de câncer com uso de IA; e o Territórios Inovadores, que leva internet gratuita de alta qualidade para comunidades periféricas da capital gaúcha.
A Procempa também criou a FICAI 4.0, sistema que fortalece o combate à evasão escolar com rastreabilidade e decisões mais eficazes; o Sistema de Gestão de Parcerias, que traz transparência à relação entre a administração pública e organizações da sociedade civil; e o Sentinela, sistema de notificação digital de agravos à saúde e acidentes de trabalho, que elimina burocracia e conecta dados ao Sistema Nacional de Vigilância. Sempre apostando no modelo colaborativo e de inovação aberta, a Procempa também lançou o Smart Cities IA Hub – Hub Colaborativo de Inteligência Artificial para a Área Pública, um esforço coletivo para tornar os serviços públicos mais eficientes por meio da IA — aberto a adesão de cidades de todo o Brasil.
Todos esses projetos têm algo em comum: a centralidade no cidadão e a busca por inclusão social através da inovação. Nesta entrevista, ela compartilha os aprendizados da sua trajetória e sua visão sobre o poder transformador da tecnologia na gestão pública.

Beta Redação: Como a combinação entre Direito e tecnologia influenciou sua liderança da PROCEMPA?
Letícia Batistela: Fiz 30 anos de formada no ano passado. E sempre ligada à tecnologia, direito, inovação — desde o estágio na faculdade, quando já trabalhava com direito digital, na época, direito da tecnologia, direito da informática.
Nunca busquei me aproximar do meio jurídico tradicional e procurei entender onde estariam meus clientes, onde estaria o objeto que eu iria trabalhar. Foi assim que me aproximei de várias entidades, associações, como a ASSESPRO, onde fui diretora, depois cheguei a ser presidente. Cheguei a ser presidente do CETI, que é o Conselho de Identidade e Tecnologia. Fui diretora jurídica da SUCESU, que é a Sociedade de Usuários de Informática. Sempre entendendo como é que meu cliente pensava, o que ele precisava, quais eram as dores dele.
Através desses contatos e dessa aproximação com inovação, recebi o convite para vir para a Procempa. Foi muito ao encontro da minha trajetória, ligando inovação com Direito, e essa vivência me deu legitimidade para assumir essa função pública.
O que você considera seu maior aprendizado ao liderar essas entidades?
Entender a dor do cliente. Trabalhei sempre levando soluções para a área de inovação, então passei a ver essas dores como minhas. E aí, acabou sendo natural eu gerir uma empresa de soluções de tecnologia.
Você foi uma das fundadoras do Women in Law Mentoring Brasil (WLM). Como nasceu o WLM?
Sempre trabalhei num mundo muito masculino. Muitas vezes eu era a única mulher nas reuniões e eventos. E aí veio o convite para fundar o WLM com outras mulheres. A ideia era inspirar mulheres a irem para onde quisessem, mesmo que fosse um setor dominado por homens, como o meu.
O WLM está completando 10 anos, sempre incentivando o protagonismo feminino no Direito. Nunca pensei muito sobre essa coisa de liderança feminina até então, mas fez sentido. Hoje, não estou mais na ativa no grupo. Acabei indo para outras áreas. Eu fundei a Associação Nacional de Cidades Inteligentes com outras capitais. Então, se for ver minha trajetória, sempre tem algo ligado ao associativismo. Acredito muito na força de trabalho conjunto. Acho que sozinho a gente anda, mas em conjunto a gente corre.
A mentoria tem um papel importante para ampliar a representatividade?
Com certeza. Quando tu enxerga pessoas parecidas contigo em cargos de liderança, aquilo te inspira. Mostra que tu pode também galgar esses mesmos obstáculos, subir de andar.
Qual é o papel de uma empresa pública de TI na vida do cidadão?
Nós temos uma hashtag que é Procempa Na Tua Vida, uma forma de estar interligada em todas as fases da vida do cidadão seja através da área da saúde, do empreendedorismo ou da inovação. As pessoas podem não enxergar isso, mas, realmente, a gente está no dia a dia do cidadão. Do nascimento até a morte, porque a Procempa administra também os sistemas do cemitério municipal. A gente tem até uma linha da vida, que é bem bacana (foto abaixo). Seja na educação, seja na mobilidade urbana. Todas as pastas da prefeitura, 100% das secretarias, das mais de 30 secretarias, são nossos clientes.


O sistema do Complexo Regulador da Saúde, que iniciou em Porto Alegre, utiliza fontes oficiais de informação do SUS para planejar a oferta de serviços, habilitar procedimentos e definir referências regionalizadas, garantindo que os pacientes sejam encaminhados para os locais mais adequados dentro da rede pública. Como foi criado e como está seu o andamento?
Foi feito pela Procempa em parceria com a Secretaria da Saúde. Ele organiza internações (Gerint), consultas (Gercon) e procedimentos (Gerpac). Hoje é usado em todo o Rio Grande do Sul e foi vendido para o estado de Goiás. É um sistema eficiente, que melhora a gestão de leitos, consultas e procedimentos.
Tem também a parceria que utiliza inteligência artificial para detectar câncer, né?
Isso. Foi feita parceria com o MIT e a Santa Casa. A gente está conseguindo fazer predição de câncer de pulmão e mama com seis anos de antecedência e mais de 80% de assertividade. Já temos resultados e estamos avançando com a iniciativa.
O projeto Territórios Inovadores, resultado de uma parceria entre setor público e privado por meio do Pacto Alegre e do programa de Inclusão Digital da Procempa, leva wi-fi público e gratuito a comunidades de Porto Alegre, promovendo o desenvolvimento local e a conectividade digital. Como você avalia o estágio atual do projeto?
Está um sucesso. Estamos com sete territórios atendidos, levando internet de qualidade direto para as periferias. Fomos o primeiro parceiro do projeto a entregar — muito rápido. A inclusão digital hoje é um dos valores da Procempa.
O que te motiva a trabalhar com inovação no setor público?
O impacto. A quantidade de pessoas que a gente atinge é enorme. A responsabilidade é imensa. E o impacto, especialmente para quem mais precisa, é transformador. Quando tu leva conectividade para quem não consegue manter um pacote de dados, tu muda a vida da pessoa. A manicure que usa WhatsApp para atender, o pequeno comerciante, o estudante. A gente realmente pode mudar a vida das pessoas com tecnologia.

Como tem sido sua atuação como conselheira institucional do South Summit?
O South Summit foi um divisor de águas. Trouxe autoestima para o RS, pertencimento, colocou Porto Alegre no mapa da inovação. Conectou muita gente. Levei minha equipe para lá, participamos de painéis, bancas de startups. Como gestora pública, foi incrível. Colocamos a Procempa dentro do mapa da inovação global.
E qual legado você gostaria de deixar nesse ecossistema?
A Procempa como um grande integrador. Um hub de inovação da cidade. Apoiando o melhor da inovação — seja ofertando diretamente, seja ajudando a escolher os melhores serviços e soluções.
Um valor que guia suas decisões?
Impacto social. Sempre.
Uma inovação que te empolga?
A inteligência artificial para predição de câncer. Pode deixar um legado enorme para a humanidade.
Onde cidadania e inovação se encontram?
Quando o cidadão vira o centro de tudo.
Para você, inovação é mais sobre tecnologia ou sobre pessoas?
Pessoas. Sempre. São elas que fazem a inovação, que fazem a tecnologia.
E um conselho para quem quer liderar com propósito?
Começa. Não espera a oportunidade perfeita. O importante é não ficar parado. O que a gente tem que temer é não mudar. Mudar faz parte. Recalcula a rota e vai.