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Um homem moderado num Estado turbulento

Aos 75 anos, o ex-governador mantém a rotina disciplinada, a atuação pública e a convicção de que a política continua além dos mandatos
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Rafael Renkovski
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Nicolas Cordova
Valentina Lopardo Malara

Germano Rigotto acorda às 5h da manhã. A rotina, aos 75 anos, continua disciplinada: atividade física, leitura dos jornais diários, elaboração de sinopses das manchetes para enviar aos amigos e colegas, um hábito que trata como um serviço público de informação, mesmo que o público seja uma lista de contatos no WhatsApp. Depois, reuniões, trajetos entre Caxias do Sul e Porto Alegre, viagens frequentes a São Paulo, palestras, debates televisivos e eventos diversos. O ex-governador do Rio Grande do Sul segue permanentemente em movimento. “Não preciso ter mandato para continuar ajudando a mostrar caminhos”, afirma, no mesmo tom sereno que marcou a sua carreira política.

Em participação em programas de TV, Rigotto analisa o cenário econômico e político do Brasil. Foto: Nícolas Córdova / Beta Redação

Antes de ser uma referência nacional quando o assunto é reforma tributária, Rigotto foi um líder estudantil. Era presença frequente na luta pela redemocratização nos anos da ditadura, atuando na escola e nos diretórios acadêmicos das faculdades de Odontologia e Direito na UFRGS. Os trabalhos anteriores ao início na política institucional ajudaram a moldar a personalidade do caxiense: professor de História em pré-vestibular, diretor de clubes em Caxias e dirigente do time de futebol que leva o nome de sua cidade natal.

Como efeito colateral da presença comunitária, surgiu o convite para a política. Ele resistiu, mas o pai insistiu. Virou vereador, deputado estadual e, finalmente, deputado federal. Não cursou Economia, mas mergulhou de cabeça no sistema tributário. Presidente das comissões de Finanças e Tributação e da Reforma Tributária, tomou passos naturais dentro do Congresso Nacional.

Com orgulho, repete que rodou o Brasil inteiro. “Fui aos 26 Estados da federação. Duvido que tenha muita gente que conheça todas as capitais como eu conheço”, diz. Palestras, articulações, audiências e negociações de propostas que quase chegaram ao plenário, mas que o governo de Fernando Henrique Cardoso, presidente à época, engavetou. “Chegamos muito próximos de aprovar. Aquilo virou o embrião de tudo o que foi debatido depois”, recorda.

A virada

Em 2002, Rigotto virou candidato ao governo numa circunstância improvável. Tinha uma baixa porcentagem das intenções de voto contra dois adversários que somavam a maioria: Antônio Britto e Tarso Genro. O plano original era disputar o Senado, uma vaga mais confortável, mas Pedro Simon, liderança histórica do MDB, anunciou que não concorreria ao governo e lhe pediu que assumisse a missão. Rigotto aceitou e, como ele próprio gosta de narrar, virou o jogo em poucos meses. “Não ganhei no primeiro turno por faltar três dias de campanha”, reflete.

A ascensão tão rápida, porém, não se explica apenas por números ou talento pessoal. Havia, naquele momento, um esgotamento no duelo PT versus brittismo que dominava a política gaúcha. Rigotto ofereceu uma alternativa simbólica com mais normalidade administrativa.

Para o cientista político e professor da PUCRS, Augusto Neftali, “o governo Rigotto foi um governo pragmático, que administrou o Estado da melhor maneira possível. Não fez movimentos abruptos, buscou uma administração pública correta, sem maiores estripulias”. Ao comparar com outros governos, como os de Yeda Crusius e José Ivo Sartori, Neftali vê menos turbulência. “Foram governos muito mais complicados. O do Rigotto foi administrativo”, analisa.

Quando assumiu o Piratini, em 2003, Rigotto encontrou um cenário de crise fiscal, endividamento, perda de arrecadação e uma dificuldade adicional: o Rio Grande do Sul, depois da saída da Ford, era visto pelo mercado como pouco confiável para investimentos. “Eu assumi tendo que pagar dívidas do passado sem poder fazer um real de nova dívida”, explica. “A Lei Kandir fez o Estado perder receita, e a União nunca repôs. E ainda enfrentamos a maior estiagem da história, em 2004”, relembra.

A jornalista Taline Oppitz, colunista política do Correio do Povo, lembra desse período de estiagem como um teste de resistência para qualquer governador, e Rigotto passou por ele com uma serenidade incomum. “Ele enfrentou duas ou três estiagens horríveis, foram as maiores do Estado até aquele momento. Mesmo naquelas situações, conseguia manter esse tom conciliador e até de calma, apesar da preocupação”, diz.

Em um ambiente hostil, Rigotto tentou reconstruir a imagem do Estado perante investidores, viajando à Europa e aos Estados Unidos antes mesmo de tomar posse, como relata. O parque eólico de Osório começou nessas conversas preparatórias.

Respeito e discordância

Na oposição histórica, Tarso Genro, ex-governador petista e adversário eleitoral de 2002, fala de Rigotto com uma honestidade rara na política contemporânea. “É uma pessoa que sempre esteve no campo democrático, um exemplo de honestidade e seriedade na busca do interesse público”, diz. Mas critica: “O governo dele não conseguiu dar uma personalidade própria. Foi um governo tímido, uma repetição dos velhos governos das oligarquias locais.” 

Rigotto considera a eleição de 2006 o episódio mais doloroso de sua trajetória. Em sua própria leitura, era uma eleição ganha. As pesquisas o colocavam à frente, sugerindo uma reeleição, que ele era contrário, mas acabou assumindo após perder as prévias nacionais internas do PMDB contra Anthony Garotinho. No entanto, ele decidiu não deixar o governo para se dedicar à campanha, gravando propagandas de madrugada, depois do expediente, assumindo tarde demais a candidatura. Nos últimos 10 dias, houve um movimento que buscava tirar Olívio Dutra do segundo turno, transferindo votos seus para Yeda Crusius. Faltaram 17 mil votos, segundo ele. “Foi muito dolorido.” Não há ressentimento na voz, mas há frustração. Ele não culpa ninguém, apenas admite que poderia ter feito diferente.

Depois da derrota de 2006, Rigotto não desapareceu, apenas mudou de plano. A política, para ele, deixou de ser contagem de votos e voltou a ser aquilo que já era antes de sua ascensão: um conjunto de conversas, análises e conselhos. Passou a ocupar cadeiras em conselhos empresariais e institucionais, da Federação das Indústrias de São Paulo à Associação Comercial, além de entidades setoriais do Rio Grande do Sul. Diz que paga do próprio bolso os deslocamentos e as estadias quando necessário. “Eu não estou perdendo tempo, estou aprendendo”, repetiu mais de uma vez, como se a frase fosse ao mesmo tempo método e justificativa.

Essa lógica quase pedagógica combina com o professor de pré-vestibular que ele foi. Rigotto encontrou no pós-governo uma rotina que mistura disciplina quase atlética com a convicção de que ainda tem contribuições a oferecer, mesmo sem a liturgia de um cargo eletivo.

Em seguida, mergulha em seu ritual matinal de leitura e síntese das notícias, hábito que cumpre com a mesma seriedade com que tratava os relatórios da Comissão de Finanças e Tributação. O resto do dia é uma coreografia de deslocamentos, reuniões e compromissos. Nos conselhos, debate temas de economia, infraestrutura e desenvolvimento com quadros que considera preparados. Valoriza tanto o espaço de influência quanto a possibilidade permanente de formação intelectual.

Ainda assim, lamenta o que chama de “perda acelerada de qualidade” do Congresso Nacional, fenômeno que, em sua visão, vem de muitos anos e emperra reformas que o país, segundo ele, não pode mais adiar: política, administrativa, federativa e a conclusão da reforma tributária.

Sobre voltar a disputar eleições, Rigotto mantém a porta entreaberta, mas sem colocar a mão na maçaneta. Em 2018, por exemplo, foi candidato à vice-presidência na chapa de Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda. Ele não descarta completamente essa possibilidade, embora não a veja como necessária para influenciar debates ou participar da discussão pública. O lugar que ocupa hoje parece outro, menos a arena institucional e mais o terreno do aconselhamento estratégico.

Mesmo com a agenda intensa, descreve seus dias com a naturalidade de quem reconhece ali uma síntese coerente do que viveu. Aos 75 anos, segue viajando, participando de eventos, palestrando, encontrando empresários, parlamentares e acadêmicos. Na prática, mantém-se em movimento permanente, como nos tempos de deputado federal ou de governador. Agora, sem disputa eleitoral à vista, essa energia se converte em um esforço cotidiano para permanecer relevante, útil e informado, reaparecendo na mídia, principalmente quando o assunto é reforma tributária.

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