Nos últimos anos, o planeta tem enfrentado diversos desastres, como enchentes, ondas de calor, derretimento de geleiras e invernos cada vez mais rigorosos. Diante dessas notícias, muitas pessoas confundem os conceitos de clima e tempo, que parecem sinônimos, mas têm significados diferentes.
O que é tempo?
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o tempo corresponde ao comportamento de curto prazo dos fenômenos atmosféricos (precipitação, temperatura, umidade, vento etc.) Em outras palavras, o tempo é o estado momentâneo da atmosfera (camada mais próxima ao planeta Terra) em um local ou período específico, definido por variáveis como chuva, vento e umidade observada ou prevista para as próximas horas ou dias. É o que vemos todos os dias na previsão do tempo nos telejornais.
O que é clima?
O clima é diferente de tempo. Enquanto o tempo fala sobre o que acontece agora ou nos próximos dias, o clima mostra o comportamento da atmosfera ao longo de muitos anos. De acordo com o glossário do Inmet, para definir o clima de uma região é preciso calcular a média de fatores como chuva, temperatura, umidade, vento e pressão em períodos longos, geralmente 30 anos.
Um exemplo bem simples: dizer que vai chover em Porto Alegre amanhã é previsão do tempo, mas afirmar que o sul do Brasil tem clima subtropical, com verões quentes e invernos frios, é falar de clima.
Como o clima e o tempo influenciam nos alertas de eventos climáticos extremos?
Tanto o tempo quanto o clima são fundamentais para a emissão de alertas, mas cada um de uma forma diferente.
O tempo é usado para avisar sobre situações imediatas de risco. Previsões de tempestade, rajadas de vento, geadas e ondas de calor. Essas previsões permitem que a Defesa Civil e a população se preparem com antecedência de horas ou dias para reduzir danos.
O clima mostra padrões de longo prazo que permitem analisar décadas de registros de chuvas, temperaturas e outros fatores, possibilitando aos cientistas identificar tendências. Por exemplo: períodos de maior chuva no verão ou de estiagem prolongada. Essas informações ajudam a planejar políticas públicas, obras de infraestrutura e estratégias de adaptação para reduzir os impactos dos desastres.
Na prática, isso importa?
Sim, e muito! Diferenciar os dois conceitos é essencial: enquanto o tempo ajuda a salvar vidas no curto prazo, o clima mostra informações para proteger populações no futuro. Como comenta Estael Sias, mestre em meteorologia e diretora da MetSul, metade do sucesso de um alerta é a comunicação. “Se a pessoa não entende a mensagem, o alerta não vale de nada, não adianta ter o melhor meteorologista, o melhor equipamento, se a informação chega de uma forma que não é possível ser interpretada”, diz.
Outro exemplo prático: o estudo “Mudanças do clima no Brasil”, publicado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), revela que cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro estão expostas a riscos climáticos como escassez de água e aumento da temperatura, devido ao crescimento urbano desordenado. Essas informações, baseadas em análises climáticas de longo prazo, permitem que autoridades implementem políticas de adaptação, como a criação de áreas verdes, reservatórios urbanos e tecnologias de reuso de água e outras melhorias de infraestrutura urbana para diminuir o impacto dessas mudanças climáticas.
Mas e as enchentes no Rio Grande do Sul?
As enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul foram influenciadas por uma combinação de fatores climáticos, meteorológicos e ambientais, muitos dos quais reforçados pelas mudanças climáticas.
Entre o fim de abril e o início de maio de 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou chuvas muito intensas e concentradas, com volumes que ultrapassaram 400 mm em menos de uma semana em algumas regiões. Esse cenário foi causado pela passagem de frentes frias, cavados (que são áreas alongadas de baixa pressão, que favorecem a formação de nuvens e chuvas intensas), além de massas de ar úmido que se chocaram sobre o estado, provocando tempestades contínuas. Esse fenômeno imediato, que resultou em transbordamento de rios, alagamentos e deslizamentos, caracteriza o tempo.
Já o clima do Rio Grande do Sul é subtropical úmido, com chuvas ao longo do ano, mas sujeito a extremos intensificados por fenômenos como o El Niño. Estudos internacionais (ClimaMeter) indicam que, com as mudanças climáticas, as chuvas na região ficaram cerca de 15% mais fortes nas últimas décadas e eventos extremos se tornaram mais frequentes, criando um cenário em que, quando ocorrem chuvas intensas, os impactos são ainda mais graves.
O investimento em prevenção inteligente permitiria agir em duas frentes: no curto prazo, seria possível emitir alertas, organizar abrigos, evacuar áreas de risco e monitorar rios e barragens; já no longo prazo, com base no clima, poderiam ser feitas obras de drenagem, contenção e diques, além de melhorar o planejamento urbano e adotar estratégias de adaptação às mudanças climáticas, reduzindo os impactos de eventos extremos.
Morador de Canoas, Vitor Brandão teve a casa atingida pela água. Ele relata que até receberam alertas, mas sem um tempo de antecedência adequado: “O aviso veio quando a situação já estava mais crítica. Hoje me sinto mais preparado para lidar com tragédias grandes como essa, o que fazer, como ajudar outras pessoas. No entanto, o preparo das cidades é algo que ainda me preocupa, pois passado um tempo a gente já não vê com tanta força movimentos que ajudem a prevenir possíveis eventos como esse”.
Diferentes elementos contribuíram para ampliação da calamidade, segundo Simone Strieder, meteorologista responsável pelos projetos governamentais da empresa ClimaTempo. Para ela, fatores sociais influenciaram a efetividade dessas ações. “Muitos moradores não confiaram plenamente nas previsões meteorológicas emitidas por órgãos oficiais, o que reduziu a adesão às medidas preventivas, e outros optaram por permanecer em suas casas por medo de saques e perdas materiais, expondo-se a riscos maiores”, observa.
A catástrofe de 2024 revela não apenas a força dos fenômenos naturais, mas também a urgência de combinar ciência, planejamento e ação preventiva. Didaticamente falando, assim como um guarda-chuva só protege se for usado antes da chuva começar, compreender e aplicar os estudos sobre tempo e clima é fundamental para reduzir riscos, proteger comunidades e preparar a sociedade para um futuro em que eventos extremos tendem a ser cada vez mais recorrentes.
*Esta reportagem explicativa faz parte de uma série para o projeto VerificaRS, iniciativa de divulgação de conteúdo verificado contra a desinformação climática.
Fontes consultadas:
- http://www.lcb.iag.usp.br/material/ritaynoue/aca-0523/referencias/Met_Pratica_SBMET_Parte1.pdf acessado em 13 de setembro de 2025
- https://portal.inmet.gov.br/glossario/glossario acessado em 13 de setembro de 2025
- https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/cgcl/arquivos/Relatorio_Mudanca_Clima_Brasil.pdf acessado em 13 de setembro de 2025
- https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/noticias/2025/01/cemaden-registra-recorde-de-alertas-e-mais-de-1-6-mil-ocorrencias-de-desastre-no-brasil-em-2024 acessado em 13 de setembro de 2025
- https://climainfo.org.br/2024/05/12/estudo-chuvas-no-rs-ficaram-15-mais-intensas-em-duas-decadas/ acessado em 16 de setembro de 2025
- https://www.climatempo.com.br/noticia/2016/06/22/qual-a-diferenca-entre-cavado-e-frente-fria-4924 acessado em 16 de setembro de 2025
- https://www.climameter.org/20240502-south-brazil-floods acessado em 16 de setembro de 2025
- (BRANDÃO, Vitor). Depoimento. [Entrevista cedida a Amanda Silveira em 23/09/25].
- (SIAS, Estael). [Entrevista cedida a Amanda Silveira em 17/09/25].
- (STRIEDER, Simone). [Entrevista cedida a Amanda Silveira em 18/09/25].
