Em um país onde ser LGBT+ ainda é um ato de resistência, São Leopoldo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, se consolida como referência na garantia de direitos e no cuidado com a diversidade. Com uma população estimada em mais de 225 mil habitantes, o município aposta em políticas públicas concretas
Os números que revelam uma realidade invisibilizada
O Brasil deu um passo histórico em 2022, quando o IBGE, pela primeira vez, incluiu perguntas sobre orientação sexual e identidade de gênero na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). O levantamento revelou que 2,9 milhões de brasileiros adultos se declaram homossexuais ou bissexuais, representando 1,8% da população adulta.
Contudo, especialistas afirmam que o dado subestima a realidade. Pesquisa do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) de 2023 mostra que cerca de 15% da população brasileira se identifica como parte da comunidade LGBTQIA+ – um universo de mais de 30 milhões de pessoas.
Essa diferença se explica, principalmente, pelo medo de discriminação..
Violência que ainda mata
O Brasil segue sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo. O Dossiê dos Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2023, da ANTRA, registrou 155 assassinatos de pessoas trans no Brasil no ano passado. Embora o número seja menor que em anos anteriores, isso não significa avanço, e sim subnotificação agravada pela pandemia e pela falta de dados oficiais sistemáticos.
A expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de apenas 35 anos, segundo o mesmo levantamento.
Cuidado que transforma: o Ambulatório LGBT+ de São Leopoldo
Dentro desse contexto, São Leopoldo dá um passo firme na direção contrária. Desde 2022, o Ambulatório LGBT+ de São Leopoldo oferece atendimento especializado e gratuito para a comunidade.

Gabriele Rech / Beta Redação
Localizado na Rua Conceição, 679 – Centro, o ambulatório funciona de segunda a sexta, das 13h às 18h, e oferece serviços de psicologia, nutrição e serviço social, além de articulação com a rede de saúde municipal. O foco vai além de questões específicas de saúde: o serviço entende que o cuidado precisa ser integral.
Enquanto estados como Pernambuco possuem apenas dois ambulatórios especializados, São Leopoldo, sozinho, se posiciona como exemplo de que municípios médios também podem e devem implementar políticas efetivas.
Mais que saúde: políticas públicas em movimento
A luta não se restringe ao campo da saúde. A Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Leopoldo mantém a campanha “O Respeito TRANSforma o Mundo”, que reforça o compromisso da cidade com a promoção dos direitos humanos, da diversidade de gênero e do combate à LGBTfobia.
A realização da 1ª Conferência Municipal dos Direitos da População LGBTQIA+, em maio deste ano, foi outro marco. O evento reuniu comunidade, especialistas e poder público para construir, de forma coletiva, uma política municipal robusta, que ultrapasse gestões e garanta proteção permanente.

Gabriele Rech / Beta Redação
— “O mês do orgulho não é só sobre comemorar. É sobre lembrar que a gente vive na ausência de direitos e, muitas vezes, na ameaça de perdê-los”, reflete Daniel Passaglia, ativista LGBT+ da cidade.
Quando a arte vira resistência e trabalho
O ator Alan Krug, de 32 anos, é uma das muitas histórias que mostram que orgulho também se constrói no mercado de trabalho. Vivendo exclusivamente da arte há mais de uma década, Alan desmistifica o imaginário de que viver da cultura é luxo ou sorte.
“Isso aqui é trabalho. E trabalho precisa ser reconhecido, valorizado e bem pago. Não é só glamour, é estrada, desmontagem, ensaio, luta diária”, afirma.
Sua rotina mescla peças de teatro, iluminação técnica e trabalho em espaços culturais e bares LGBTQIA+. Uma prova de que, para muitas pessoas da comunidade, a criatividade não é só expressão — é também sustento e resistência.

Gabriele Rech / Beta Redação
Orgulho que se transforma em futuro
Desde 2024, o IBGE passou a incluir, de forma permanente, perguntas sobre orientação sexual e identidade de gênero em suas pesquisas domiciliares. Esse avanço representa um passo fundamental para que o país desenvolva políticas públicas baseadas em dados reais, e não mais em estimativas ou suposições.
São Leopoldo reforça que a transformação social não se faz só no discurso, mas na prática. No consultório que acolhe sem julgamentos, na secretaria que constrói e executa políticas públicas, na arte que ocupa, resiste e transforma.
Ainda há muito caminho pela frente. Há desafios, há melhorias necessárias, há políticas que precisam sair do papel e estruturas que precisam ser fortalecidas. Mas, aos poucos, São Leopoldo mostra que é possível — e que quando há vontade política, sensibilidade e mobilização social, o cuidado com a diversidade deixa de ser promessa e passa a ser realidade.
Porque orgulho não é só um mês. Não é só festa. É existência, é resistência, é política, e São Leopoldo prova, que o orgulho vive aqui.