O ano era 2016. Em meio a um período de instabilidade técnica, o Real Madrid, principal time de futebol do mundo, anunciava o ídolo francês Zinédine Zidane como novo treinador de seu elenco profissional. Quase que em concomitância, uma carismática personalidade gaúcha também chegava para começar a fazer parte do cotidiano do clube espanhol: Tatiana Mantovani, a “Tati”, apaixonada por esportes e natural de Carlos Barbosa.
Contratada para ser correspondente do Esporte Interativo (atual TNT Sports) na Espanha, a jornalista brasileira foi responsável por acompanhar diariamente a equipe madrilenha em uma das principais épocas de sua vitoriosa história. Ao todo, ela já soma em seu currículo a cobertura de cinco finais de Champions League, diversos títulos nacionais e a realização de entrevistas com nomes como Carlo Ancelotti, Vinícius Júnior e Cristiano Ronaldo. Sua grande marca é o famoso banquinho, o qual Tati costuma utilizar na frente das câmeras pelo fato de ser “baixinha” – como ela mesma se autodefine.
Hoje, aos 42 anos, Tati segue desempenhando a função, sendo reconhecida internacionalmente. Ela conta com mais de 800 mil seguidores no Instagram e cerca de 900 mil no TikTok. Gremista fanática, procura sempre manter-se conectada com sua terra natal. Nesta entrevista, realizada no dia 4 de setembro, Tati compartilhou detalhes de sua trajetória, citando valências de sua profissão e abordando tópicos como a participação feminina no jornalismo esportivo.

Por que você escolheu o jornalismo?
Desde que eu estava no colégio, sempre fui mais para o lado das humanas e da comunicação. Quando chegou a hora de decidir o que fazer da vida, eu fiquei entre jornalismo e publicidade, porque também gostava muito dessa parte mais comercial. No entanto, eu não me imaginava fazendo outra coisa que não fosse contar histórias. Foi justamente isso que acabou me puxando para o lado do jornalismo.
Como foi a sua experiência universitária?
Foi incrível. Eu estudei na PUC, em Porto Alegre, que naquela época te dava a oportunidade de trabalhar com todas as áreas do jornalismo já dentro da faculdade. Isso pra mim foi o mais legal. E o alucinante é que a coisa que eu menos fiz durante toda a universidade foi justamente trabalhar com televisão, que era o meio que eu menos gostava. A minha paixão sempre foi o rádio. E dentro da PUC, eu e minhas amigas tivemos a oportunidade de criar um programa de rádio só de mulheres. Acho que isso é o mais importante, aproveitar os recursos que a universidade te dá. E o meu último ano foi uma loucura. Eu já estava trabalhando na Rádio Gaúcha de madrugada, e ia para a faculdade de manhã pra fazer meu trabalho de conclusão. Dormia super pouco. Era muito cansativo, mas eu conseguia porque eu era jovem. Aproveitei pra caramba a minha faculdade.
Como surgiu o jornalismo esportivo na sua vida?
Costumo dizer que o esporte sempre foi o meu calendário, no sentido de que a minha vida sempre se organizou em torno dele. O meu pai, além de torcedor do Grêmio, foi um dos fundadores da ACBF, time de futsal de Carlos Barbosa. Então o final de semana da nossa família dependia do cronograma de jogos. Sempre me pergunto o que eu faria da vida se não existisse o esporte. Ia ser uma vida chata pra caramba. Meu divertimento sempre girou em torno dele. Porém, quando comecei a trabalhar na comunicação, ainda não existia jornalismo identificado, coisa que hoje é normal. Por conta disso, eu, que sempre fui muito gremista, pensava que não poderia trabalhar com esportes no Rio Grande do Sul. Eu fazia geral, polícia, política… tudo. Mas eu nunca trabalhei com jornalismo esportivo no Brasil. Só que eu sempre digo que o universo faz a gente corrigir os erros que cometeu. E aí, o que aconteceu? Quando vim morar na Espanha, dei a sorte de cair aqui no melhor momento da história do futebol espanhol. Cheguei em 2009. Em 2010, a Espanha foi campeã do mundo. Em 2012, da Eurocopa. Era tempo do Barcelona de Guardiola e do Real Madrid de Mourinho. Peguei tudo isso. Nessa época, entretanto, eu já tinha desistido do jornalismo. Vim para cá estudar gestão de empresas. Tanto é que, de 2010 a 2016, eu não trabalhei com jornalismo. Fazia apenas alguns freelas para o Brasil, escrevendo matérias sobre futebol espanhol para veículos como Placar e Zero Hora. Mas foi aí que surgiu o Esporte Interativo na minha vida.
Qual foi a importância do canal Esporte Interativo na sua carreira?
Em 2015, o Esporte Interativo comprou pela primeira vez os direitos de transmissão da Liga dos Campeões. Por conta disso, eles decidiram que iriam ter correspondentes nas principais praças do futebol europeu. Madrid era uma delas. Eles mandaram uma pessoa pra cá que não se adaptou, então começaram a procurar por alguém que já estivesse morando em Madrid. Um colega meu enviou meu contato e iniciamos as conversas. Passei por todo o processo de seleção, que durou vários meses, sem nunca ter trabalhado com televisão. Só que eles sempre me diziam a mesma coisa: ‘A parte técnica você aprende, o que tu precisa saber é o conteúdo’. E isso eu sabia. A partir de então, fui a pessoa mais sortuda ever. Cheguei em 2016, junto com o Zidane, e peguei as três Champions League consecutivas do Real Madrid. O resto é história.
Em algum momento da sua carreira, você já chegou a sentir algum tipo de dificuldade pelo fato de ser mulher no ramo do jornalismo esportivo?
As mulheres passam por dificuldades para desempenhar suas profissões todos os dias. Eu não sou a única. E dentro de universos profissionais muito masculinizados, como é o caso do jornalismo esportivo, a gente é novidade. Então somos julgadas o tempo inteiro. Eu costumo dizer que, na frente de todo o homem, existe uma escada, que ele precisa subir para provar o seu valor dentro do jornalismo esportivo. Para as mulheres, essa escadaria é dobrada. Tenho a felicidade de trabalhar na principal competição de futebol do mundo, onde o fato de termos homens e mulheres trabalhando juntos acaba sendo mais normalizado, apesar de sermos apenas 7%. Somos muito poucas, mas estamos presentes e não somos tratadas diferente por estarmos ali. O ponto é quando temos que fazer alguma coisa em estádio ou fora de estádio, pois a gente não tem o respeito da maioria dos torcedores. Eu acho que o processo de normalização da mulher no futebol está acontecendo, mas ainda longe de ser concluído. Acima de tudo, é importante reconhecer que nós já estamos no futebol. Nós jogamos, nós reportamos, nós somos torcedoras… nós vivemos o esporte tanto quanto os homens. Ainda assim, dentro da profissão, acaba que a gente sempre precisa mostrar mais. Isso vai mudar? Não sei. Talvez com os anos. O ponto é: se não aceitarem que a gente já está, problema de quem não aceita, porque nós já estamos. E vamos seguir assim. Não vamos parar porque alguns pensam que a gente não pode. Nós chegamos, estamos e continuaremos. Mas repito, ainda somos muito poucas. No Brasil, até acredito que haja uma inserção maior. Aqui na Espanha, por exemplo, em quase todas as entrevistas coletivas do Real Madrid eu sou a única mulher.
Na sua opinião, quais são os atributos de um bom jornalista esportivo?
Hoje em dia, primeiramente, é importante ser multiplataforma. Já não existe mais o jornalista que só fala ou que só escreve. É preciso saber fazer tudo. Tem que se virar nos 30. E se tratando de jornalismo esportivo, é necessário entender o que ele significa: ele é jornalismo, mas também é entretenimento. Na briga por audiência, o esporte compete com filmes, séries e novelas… e não com telejornal. Então o jornalista esportivo tem que saber cumprir os dois lados. É preciso ter o rigor da informação, saber noticiar, ter fontes… mas também tem que saber entreter. Transmitir um jogo de futebol, por exemplo, é notícia e divertimento ao mesmo tempo. A pessoa que está assistindo quer saber quantos gols o Haaland fez na temporada, mas também quer saber porque o cabelo do Haaland está diferente. Ela quer saber de tudo em torno da grande estrela. Então a gente tem que estar preparado para poder falar sobre tudo, porque tudo isso faz parte dessa proposta. E olha que é difícil caminhar nessa linha, mas principalmente com as redes sociais, não tem mais como fugir.
Sobre sua relação com o público, você é reconhecida nos lugares por onde passa?
Pelo público do futebol, sim. Principalmente por aqueles que acompanham futebol internacional. Por eu estar acompanhando o Real Madrid, que tem muita torcida no Brasil, a galera acaba assistindo. Então eu sempre fico muito surpresa com isso, mas as pessoas me conhecem. Obviamente, não consigo me conectar com todo mundo, mas tenho a felicidade de ter uma comunidade muito legal nas minhas redes. Costumo dizer que, para quem acompanha Champions League, eu quero ser o olho, o ouvido e o canal de conexão da pessoa com essa competição. Então eu vejo muitas coisas que as pessoas me mandam e eu acho isso sensacional. E olha que eu nunca pensei que pudesse viver dessa forma, pois antigamente, um correspondente internacional não tinha nenhum contato com a audiência. Ele simplesmente não sabia o que as pessoas estavam pensando ou querendo. Hoje em dia, eu recebo todos os tipos de feedback possíveis, o que é muito legal.
Existe algum sonho dentro do jornalismo esportivo que você ainda não conseguiu realizar?
Eu ainda não cobri uma Copa do Mundo. Eu estava muito decidida a tentar estar na Copa dos Estados Unidos, só que além de cara, é uma viagem muito distante. Em 2030, tem Copa aqui na Espanha, então eu coloquei na cabeça que vou me preparar para essa.
Que mensagem você deixaria aos estudantes universitários de jornalismo que estão buscando espaço na área?
Primeiramente, é interessante aprender a fazer de tudo. Você não precisa necessariamente ser o melhor em alguma área, mas é importante saber um pouquinho de cada coisa. Idiomas também são fundamentais, principalmente para quem quer trabalhar com futebol. Outra dica que eu dou sempre é: façam muitos estágios. No final das contas, a gente abre nossas portas no mundo jornalístico conhecendo pessoas. E a melhor forma de criar contatos ainda é entrando nos meios de comunicação. Além disso, você também vai ter o dia a dia, o convívio com quem trabalha com aquilo… tudo isso gera uma experiência absurda. E principalmente: se o teu sonho é ser jornalista, vai! Tenta! Você vai ouvir muitas pessoas dizendo coisas do tipo: “Mas por quê é que tu tá fazendo jornalismo? Ainda dá tempo de fazer outra coisa”. E eu sempre digo: se é o teu sonho, tenta! Se der errado, pega outro caminho e vai. Mas tenta!