Entre o preço e o abraço: o que move o Dia das Crianças

Em meio à alta nos custos dos presentes, famílias mantêm viva a tradição de celebrar o feriado — um gesto que vai além do consumo

Prateleiras cheias, vendedores espalhados, promoções à mostra e possíveis compradores circulando. Esse era o cenário que marcava a transição dos últimos dias de setembro para a chegada do mês mais importante para as crianças. Uma tarde de sábado de outubro colaborava com o movimento de clientes. Uma avó e o neto olhavam para as estantes, atentos em busca do presente perfeito. Antônio e Livânia aproveitaram a coincidência das agendas para começar a fazer uma pesquisa. A senhora queria que o jovem ajudasse a escolher um presente para o Dia das Crianças.

“Em relação ao processo de compra, a gente alterna: às vezes vem e compra presencialmente. Outras vezes, se não conseguimos vir, escolhemos o presente on-line. Mas uma coisa é bem nítida: o aumento nos preços em comparação com o ano passado — está tudo mais caro”, avalia o adolescente Antônio Levandowski, que estava em busca de alguns Pokémons para aumentar a coleção.

A avó Livânia levou o neto Antônio ao shopping para escolherem o presente em conjunto – GUSTAVO BAYS/BETA REDAÇÃO

A queixa do menino sobre o aumento dos preços vai ao encontro das informações divulgadas pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que aponta uma variação de 8,5% em relação à data de 2024 no preço médio da cesta composta por 11 grupos de bens e serviços relacionados ao Dia das Crianças.

Apesar da insegurança provocada pela taxa Selic, que permanece no patamar mais alto desde 2006, e também com o IPCA acumulado acima de 5% nos últimos 12 meses, o Sindilojas calcula em cerca de R$ 303 milhões a movimentação com as vendas, com tíquete médio entre R$ 201 e R$ 500, acima dos R$ 254 milhões registrados no ano passado. Além disso, a compra de Livânia confirma a estatística presente na pesquisa do sindicato, que detectou que mais avós vão dar presentes em comparação com 2024. A fatia é de 31,3%, ante 29% no ano anterior.

Para o economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL POA), Oscar Frank, a maior participação dos avós nos gastos com a data é uma tendência permanente para o futuro. “Trata-se de uma transformação no comportamento entre gerações. Os avós têm participado de forma mais ativa na criação das crianças, o que explica o aumento da sua presença nas compras. Hoje, as pessoas vivem mais, com maior longevidade e disposição para acompanhar de perto a vida dos netos. Essa tendência não é exclusiva do Dia das Crianças — ela aparece também em outras datas comemorativas”, explica o especialista.

Consumidores usam a paciência como estratégia para comparar os preços antes das compras – GUSTAVO BAYS/BETA REDAÇÃO

Por mais que as informações sobre preços, promoções e compras sejam de suma importância, o feriado tem uma simbologia própria. Para além do bem material, o presente pode simbolizar um gesto de carinho importante no desenvolvimento da criança. “Mais do que o ato de comprar algo, é uma forma de se fazer presente. Ele carrega valores e pode ser tanto um objeto quanto uma experiência, mas o mais importante é a maneira como isso é conduzido dentro da família. O presente é uma linguagem de amor — o que se transmite não é o valor material, e sim o gesto, a intenção e o vínculo que ele representa”, opina a psicóloga Luísa Bergonsi.

Tal simbologia ainda resiste ao tempo. Independentemente do cenário econômico do país, as famílias sempre encontram um jeitinho de comprar algo para marcar a data — ainda que seja apenas uma lembrança simples. Afinal, o dia carrega um apelo afetivo que ultrapassa gerações e reforça aquela velha verdade: em algum lugar dentro de nós, todos continuamos sendo um pouco crianças. “Mesmo que ele cresça, sempre vou querer dar algo no dia 12 de outubro. Antônio é meu único neto e, para mim, vai ser sempre a minha criança”, afirma Livânia, sorrindo ao se referir ao adolescente.

Para que haja esse aumento nas vendas e no faturamento, é necessário que os lojistas se preparem com antecedência. “A preparação para datas comemorativas não pode ocorrer apenas algumas semanas antes — deve ser resultado de um trabalho contínuo ao longo do ano. O essencial é compreender o que o consumidor realmente busca”, alerta Frank.

Mara Simone Meneghetti, supervisora da Super Legal, destaca que a rede de lojas planeja o feriado com antecedência a fim de atender os clientes da melhor forma possível e ampliar as vendas. “Em março, a gente participa de uma feira de brinquedos e já começa a fazer as compras direcionadas para essa data. As lojas recebem as mercadorias no final de agosto e, em setembro, já estão bem abastecidas. A partir da última semana de setembro, as lojas ficam totalmente prontas, com as campanhas e promoções definidas”, explica.

Natália e Wagner levaram os filhos pequenos para passear pelo comércio e analisar os produtos disponíveis – GUSTAVO BAYS/BETA REDAÇÃO

Além disso, há uma estratégia bem definida para a atração dos possíveis compradores e também uma organização especial para dar conta da demanda. “Nos últimos anos, percebemos uma mudança no comportamento dos clientes. Antes da pandemia, as vendas eram mais espalhadas e duravam mais dias; agora, elas se concentram mesmo no fim de setembro e início de outubro. O Dia das Crianças é, sem dúvida, o nosso Natal. É o período de maior movimento nas lojas, com foco total em brinquedos. A gente praticamente dobra as equipes, tanto no centro de distribuição quanto nas lojas”, conta a gerente da unidade localizada no Shopping Praia de Belas, em Porto Alegre.

O aumento no número de funcionários pode ser explicado por dados divulgados pelas entidades varejistas, que apontam que os shopping centers e o e-commerce ganham mais espaço na hora da compra, em detrimento das lojas de rua. “Como a maioria, acabo comprando sempre na última hora. Normalmente, não costumo planejar com muita antecedência. Tenho uma preferência maior pelas compras online, principalmente por causa do preço. Na internet, é mais fácil encontrar promoções e valores mais em conta do que nas lojas físicas”, relata Natália Ferreira, que estava na loja procurando presentes para os dois filhos.

A reportagem é de caráter econômico, mas, ao citar o lado financeiro que movimenta o feriado, é interessante lembrar o verdadeiro sentido do 12 de outubro. “Brincar é fundamental. A criança precisa do simples, e o que podemos oferecer é a escuta e o carinho. O brincar é a forma mais genuína de expressão infantil e é por meio dele que a criança elabora sentimentos e aprende sobre o mundo. Se o presente fizer parte disso, que ele faça sentido e venha acompanhado de presença e de tempo compartilhado”, pondera a psicóloga, que possui experiência no atendimento a crianças.

A psicóloga Luísa Bergonsi destaca a importância de se fazer presente na vida das crianças através da escuta e do carinho – GUSTAVO BAYS/BETA REDAÇÃO

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