A primeira corrida de Janete Bonfiglio não teve linha de chegada, nem medalha. Aos 59 anos, recém-aposentada e com o diagnóstico de obesidade e asma, ela deu os primeiros passos como quem busca uma última tentativa: “Não conseguia respirar e correr simultaneamente”, relembra. Mas, entre o fôlego curto e o ritmo devagar, ela insistiu. Anos depois, Janete abandonou a bombinha, os quilos extras e, principalmente, a sensação de que envelhecer é sinônimo de desacelerar. “A corrida é um estilo de vida. Nunca mais quero ser aquela pessoa sem viço e sem fôlego”, diz, hoje com vitalidade e rotina de treinos constantes.
Histórias como a de Janete se multiplicam pelas ruas do Brasil, onde a corrida tem deixado de ser apenas um esporte para se tornar parte do cotidiano de quem busca qualidade de vida, autonomia e saúde. Segundo o Relatório Anual sobre Tendências de Esportes do Strava, divulgado em dezembro de 2024, a corrida foi a atividade mais praticada no mundo no último ano — e o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking global, com mais de 19 milhões de corredores. Por aqui, só o número de competições cresceu 29%.

Foto: Bruna Soares / Beta Redação
Mas por que tanta gente tem calçado os tênis para mudar de vida?
Um impulso para o corpo — e para a mente
Segundo a educadora física Aline Negruni, os ganhos vão para além de performance, fortalecem o corpo, a mente e a disciplina. “Investir em corrida é investir em saúde física, mental e social. A corrida está no hype, na moda — o mundo todo está correndo. Uma pessoa que enfrenta o ciclo de maratona tem que encaixar muitas coisas, automaticamente ela é uma pessoa focada”, afirma a fundadora da Meta Assessoria Esportiva.
Com anos de experiência, ela acompanha a evolução de alunos que começaram apenas buscando emagrecer ou melhorar desempenho, e terminaram encontrando bem mais do que isso. A saúde cardiovascular, a resistência muscular e o foco em atividades diárias melhoraram muito. “Quando o treino vira rotina, outras mudanças vêm junto: alimentação, sono e autoestima”, resume.
No caso de Janete, o impacto foi visível: ela parou de utilizar bombinha para crises asmáticas há quatro anos, melhorou sua circulação corporal com suporte médico e nutricional e, com a orientação certa, superou dores intensas nas panturrilhas. “A partir da corrida, paulatinamente, vi meu corpo se transformar e o pulmão foi expandindo… Jamais pensei em desistir”, afirma.
Aline reforça que o acompanhamento técnico adequado é essencial para garantir segurança e evitar lesões. “Não adianta adaptar a vida à planilha. É a planilha de treinos que se adapta à vida do aluno”, diz. O método da assessoria é claro: subir degrau por degrau, com a segurança dos aumentos progressivos — nunca superiores a 10% por semana — respeitando limitações, particularidades e buscando constância.
Corrida como ferramenta terapêutica
Além da prática profissional, Aline também carrega uma trajetória pessoal com a corrida. Diagnosticada com diabetes gestacional na gravidez de Maria Clara, lutou por anos para controlar a glicemia — até encontrar no esporte um novo caminho. “Hoje, não preciso de medicamentos. A corrida me deu a maior medalha da vida: minha saúde”, comemora. A prática intensa para as provas desafiadoras de Ironman e maratonas, ao redor do mundo, também refinaram seu olhar como treinadora. “A teoria é importante, mas quem sente na pele sabe onde precisa apertar ou aliviar com o aluno”.

Foto: Bruna Soares / Beta Redação
Do ponto de vista clínico, os benefícios da corrida são amplamente documentados, como reforça o médico Rodrigo Boldo. Especialista em clínica e terapia intensiva, ele vê na prática regular um verdadeiro aliado da medicina preventiva: “A corrida reduz a pressão arterial, melhora o controle glicêmico, aumenta a densidade óssea e muscular, diminui sintomas de ansiedade e depressão e impacta diretamente na qualidade do sono e bem-estar geral”.
Rodrigo destaca ainda o efeito protetor da corrida sobre doenças crônicas como diabetes, hipertensão e colesterol alto. “Pacientes que se exercitam, a longo prazo, têm impactos relevantes na necessidade do uso de medicamentos e no melhor controle de suas condições. Além disso, o exercício físico reduz a resistência à insulina, ajudando a evitar a progressão para diabetes”, explica.
A atividade física também impacta positivamente a recuperação de pacientes graves. “Na UTI, vemos muitos casos de sarcopenia. Pacientes com pouca massa muscular têm piores desfechos clínicos. A corrida ajuda a evitar esse quadro”, ressalta.
Mas há riscos?
A resposta é sim — e por isso o início da prática exige atenção. Rodrigo alerta para a importância de avaliações médicas em pessoas com histórico de doenças cardíacas, obesidade ou problemas osteoarticulares. “Não é para criar barreiras, mas para garantir que esse início seja seguro. A prática não deve ser impedida, mas bem orientada”, afirma. Um episódio recente em Porto Alegre reforça a necessidade de cuidado: um jovem de 20 anos faleceu durante a meia maratona da capital gaúcha. Casos como esse não são comuns, mas lembram que, antes de colocar o pé na rua, é preciso ouvir o corpo — e os profissionais.
Um investimento com retorno garantido
Nossas fontes entrevistadas defendem que a corrida de rua deve ser vista como um investimento — não apenas no corpo, mas no estilo de vida. “Ela transforma tudo ao redor. Tu dorme melhor, te alimenta melhor, evita exageros, melhora na vida profissional, pessoal. A corrida não é terapia – mas é terapêutica”, pontua Aline. Rodrigo concorda: “É um hábito que melhora a rotina, a disposição, a disciplina e, com certeza, o futuro.”
Janete é a prova viva disso. Sua história inspirou filhos e sobrinhos, que hoje também praticam exercícios com frequência. “A corrida mudou minha vida, estou muito mais feliz e radiante. Procuro seguir na disciplina dos treinos porque sei que só assim me manterei saudável e bem fisicamente.”
Mais do que disputa, a corrida é uma grande celebração do corpo em movimento — uma reafirmação de que, ao colocar um pé na frente do outro, é possível conquistar muito mais do que medalhas. É possível correr para viver melhor.

Foto: Thiele Reis / Beta Redação
Para mim, que estou iniciando nesta prática esportiva, é maravilhoso ler a reportagem.
Parabéns Bruna Soares
Parabéns Janete exemplo a ser seguido .