“Comida tem que fazer bem ao corpo, à alma e ao ambiente”, defende pesquisadora de plantas alimentícias não convencionais

Presente no TEDx Unisinos, Irany Arteche propôs uma alimentação mais consciente, natural e sustentável

Conhecer e utilizar alimentos locais é uma forma de reconexão com a terra e de valorização da biodiversidade. Foi essa a reflexão trazida por Irany Arteche durante o TEDx Unisinos no dia 7 de abril. Nutricionista e mestre em Fitotecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Irany propôs um olhar mais atento às espécies espontâneas e ao aproveitamento integral dos alimentos.

O conceito PANC surgiu de forma quase casual, em 2008, quando estava escrevendo um projeto, baseado na tese do Valdir Knoop. A coincidência fonética com o movimento punk – rebelde, alternativo – caiu como uma luva para designar as plantas que crescem fora dos sistemas agrícolas tradicionais, mas que carregam um enorme potencial nutricional, cultural e ambiental.

“Era um grande guarda-chuva. E tudo aquilo que tinha uma certa conotação até pejorativa coube ali embaixo. Salada com PANC, não uma salada com plantas invasoras. Melhorou a comunicação. A planta é a mesma. E quem tem o privilégio de já saber reconhecê-la ou de usar na sua alimentação, ótimo”, explicou Irany durante seu painel.

Para Irany, é essencial entender o alimento em todas as suas etapas — de onde vem, qual seu propósito e como lidar com seus resíduos. Ela critica o desperdício, o excesso de embalagens e defende escolhas mais simples e conscientes.

Em conversa com a Beta Redação, reforçou a importância de repensar a alimentação industrializada e buscar uma relação mais genuína com o que colocamos à mesa.

Beta Redação: No seu painel, você mencionou o termo PANC em relação às plantas alimentícias não convencionais. Você poderia explicar o que exatamente significa esse termo? Como ele se aplica ao meio urbano?

Irany Arteche: O termo PANC se refere a plantas alimentícias não convencionais, ou seja, aquelas que não fazem parte do circuito econômico tradicional. Então, em supermercados, dificilmente a gente as encontra. A característica principal dessas plantas é justamente o fato de não serem comercializadas como alimentos convencionais. Os botânicos dizem que em torno de 10% de toda flora é comestível. Muitas delas são resilientes e podem ser encontradas na natureza, adaptando-se bem ao ambiente urbano. Onde tem terra e onde há condição mínima de uma vida vegetal, ela virá.

Irany Arteche marcou presença no Teatro Unisinos no TEDx especial sobre
saúde
Irany Arteche marcou presença no Teatro Unisinos no TEDx especial sobre
saúde – NÍCOLAS CÓRDOVA/BETA REDAÇÃO

Quais são algumas das plantas PANC nativas do Rio Grande do Sul que você acredita que mereciam ser mais valorizadas?

Todas as PANC, sejam nativas ou exóticas, têm grande potencial para a alimentação humana. Muitas delas se adaptaram bem ao nosso clima e ambiente, mas, por influências culturais e econômicas, não são suficientemente valorizadas. Um exemplo: a jabuticaba é nativa do Brasil, mas importamos frutas do bosque, e a jabuticaba fica esquecida. O pistache, que não é nosso, é preferido, enquanto temos tantas castanhas nativas como a de baru, a do Pará, a de caju. Muitas poderiam ser melhor exploradas, mas acabam preteridas por conveniência econômica.

Esse movimento em direção à valorização de alimentos mais naturais e autênticos tem ganhado força. Você acredita que ele está sendo mais explorado atualmente?

A gastronomia passa por ciclos, sempre resgatando práticas antigas e transformando-as em tendências. No entanto, a comida saudável e simples, aquela que nutre de verdade, nunca sai de moda. O que estamos vendo agora é um retorno às raízes, à valorização de alimentos locais e saudáveis, muitas vezes inspirados nas tradições culinárias dos nossos antepassados. Isso é uma resposta à industrialização e à alimentação processada.

As PANCs não são novas. Muitas são plantas que os nossos avós usavam e que foram ficando esquecidas. Agora, há uma redescoberta. A gastronomia se reinventa, o mercado se reinventa. Em meio à moda da “comida natural”, elas voltam. Mas é preciso ter um olhar mais sensível e entender que essas plantas fazem parte do nosso patrimônio alimentar.

Irany cultiva em casa muitos dos próprios alimentos – NÍCOLAS CÓRDOVA/BETA REDAÇÃO

Com tantas dietas da moda, como a da proteína ou a mediterrânea, você acredita que é possível comer bem e de maneira saudável sem gastar muito dinheiro?

Sim, é totalmente possível. Quando falo em comida com baixo impacto financeiro, não estou falando de produtos baratos como macarrão instantâneo ou bolachas recheadas. Trata-se de um consumo mais consciente, aproveitando o que a natureza oferece ao nosso redor. Por exemplo, basta um vaso para cultivar um pé de couve, ou até mesmo aproveitar talos e cascas de vegetais que normalmente seriam descartados. Vou dar um exemplo: quem criou a batata rústica teve uma sacada maravilhosa. Todo mundo descascava batata, até que alguém, talvez por preguiça, decidiu cozinhar a batata com casca e inventou a batata rústica. Quantas coisas a gente descarta ou desvaloriza sem pensar? Às vezes temos acesso fácil, mas o custo não é só o dinheiro que pagamos — é também o tempo de trabalho para comprá-lo. Muitas vezes temos perto de casa frutas como limão, bergamota, laranja, e nem valorizamos.

Então, sim, a comida pode e deve ter baixo impacto financeiro. Se ela é cara, tem algo errado: ou vem de muito longe, ou o processo de produção é muito dispendioso, ou alguém está ganhando demais.

Você tem alguma referência ou alguém que tenha influenciado sua alimentação consciente?

Acredito que o próprio corpo nos dá sinais. Às vezes, comemos algo e sentimos que aquilo não nos faz bem. O corpo é o nosso maior incentivador, ele nos ajuda a perceber o que é saudável e o que não é. Não gosto de comer a mesma coisa sempre. A única coisa que eu faço todos os dias é tomar chimarrão. Agora, a comida, é sempre diferente, mas tudo é um processo. Ninguém sabe cozinhar sem praticar.

E sobre suas receitas, onde podemos encontrar mais dicas?

Não sou muito fã de dar receitas fixas, pois acredito que a cozinha é algo pessoal e único. Eu costumo dar dicas, e compartilho essas dicas nos meus stories no Instagram (@irany.arteche). A ideia é inspirar as pessoas a olhar para a comida de uma maneira diferente, descobrir novos sabores e formas de cozinhar. Cada pessoa tem a sua própria cozinha, e ela vai se aprimorando com a prática.

Você já sabe o que vai jantar hoje?

Sempre tenho coisas em casa, né? Pão, eu sempre tenho. Eu faço pão, fatio, congelo. Ovo, sempre tenho também. Normalmente, dou um trato melhor no ovo, faço uma marinada. Agora é safra de tomate, tá finalizando. Tomates orgânicos maravilhosos, sempre tenho. O que é orgânico e tá na safra, sempre vou ter. Um dia faço de um jeito, outro dia, de outro. Tenho uma batata yacon que fiz anteontem, tipo um ravioli dela, recheada com cogumelo e tomate. Como viajei, não comi, mas está lá na geladeira. Vai durar. Minha geladeira é sempre cheia de coisas, e eu vou cuidando daquilo que estraga primeiro. Isso é minha prioridade.

Para finalizar, se alguém quiser começar a cultivar uma planta PANC em casa, qual seria uma boa opção para quem está iniciando?

Em um vaso, uma planta que sempre dá é a taioba! Recentemente, colhi 29 folhas enormes em um vasinho pequeno. Eu a fervo, liquefaço e faço um purê delicioso, que posso usar em várias receitas. Outra opção é a ora-pro-nóbis, bem comum, mas precisamos comer regularmente, senão ela cresce demais. As bertalhas também são ótimas e, ao contrário da ora-pro-nóbis, não têm espinhos. O hibisco, especialmente o de folha roxa, é outro que gosto muito, e a cetocela, uma folha ácida, também é uma delícia. Existem muitas opções! Se alguém quiser começar com uma PANC, basta dar uma volta, pegar um saquinho de terra, colocar num vaso e regar. Algo vai nascer. Elas estão por aí! Às vezes, somos nós que não deixamos que elas se mostrem. Uma frestinha na calçada, e já brota uma delas.

Irany encerrou seu painel no TEDx reforçando que “o mundo é dos vivos, dos mortos e dos que ainda não nasceram” – para ela, pensar em alimentação é também pensar no futuro. E isso começa com pequenas escolhas, feitas todos os dias.

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