Era 8 de junho de 1975. O Internacional de Porto Alegre jogava pelo campeonato gaúcho um entediante 0 x 0 contra o Caxias do Sul. O jogo, que não tinha nada para ser especial, tornou-se um marco histórico: o zagueiro Bibiano Pontes era o primeiro jogador a chegar a 500 partidas pelo Inter, feito esse que até hoje só foi superado por D’Alessandro, com 529 partidas, e Valdomiro, com 803. Pontes, como era conhecido, defendeu a camisa colorada em 524 jogos ao longo de 11 anos.
Nesse período, acumulou títulos: participou de sete títulos gaúchos na campanha do octacampeonato, feito único no Rio Grande do Sul. Além disso, esteve no elenco que conquistou o até então inédito título do Campeonato Brasileiro de 1975.
Vivendo hoje em Taquari, na região central do Rio Grande do Sul, Bibiano Pontes, com 78 anos, foi receptivo em sua casa para conversar sobre sua trajetória, desde a infância, base, profissional e sua vida atualmente, além da visão sobre o momento do clube.
Leia os principais pontos da entrevista:
Como foi a infância de Bibiano Pontes?
A minha infância foi boa no interior, a gente ficava até tarde conversando, jogando bola. Os irmãos também jogavam, o João e o Daison, no campo que ficava perto de casa, a gente jogava lá. Aí iniciamos no juvenil da cidade. Acabei chamando a atenção do falecido Sérgio, que falou para o seu Abílio dos Reis, treinador do juvenil do Inter. E aí eles vieram à General Câmara me buscar. Eu fui, treinei lá, mas começavam em março as aulas, eu voltei pra casa e não fui mais para Porto Alegre. Em uma tarde lá no interior a gente tava no pátio tomando chimarrão, conversando. Chegou um carro. Era o Abílio dos Reis e o Daltro Menezes que tinham vindo me buscar. A primeira coisa que o falecido pai falou foi “deixa ele ir, mas tem que arrumar um colégio para ele lá”. Graças a Deus tudo deu certo, e depois a gente foi levando a vida.
Como foi essa adaptação de sair de uma cidade pequena para morar em Porto Alegre?
No início a gente sente um pouco, mas meus pais me orientaram bem, dando educação e respeito, aí eu me adaptei fácil no Internacional. Graças a Deus eu consegui estudar, e logo depois cursei Educação Física, e aí fui estudando e jogando. Sempre tive perseverança para conciliar as coisas.
Como foi a transição entre a base e o profissional?
Foi uma transição rápida, eu cheguei lá no Juvenil, tinha o Mauro e o Batista que eram os zagueiros titulares. Eu tive um início muito bonito. Na semana de um Gre-Nal o Mauro se machucou, e aí o Abílio me botou para jogar e ganhamos de 2×1, tirando a invencibilidade do Grêmio. Nesse ano, o Juvenil foi campeão, e em março de 65 me subiram pro time de cima. Dali em diante eu fui, e de 65 a 68 não ganhamos o campeonato gaúcho. Mas a partir dali fomos campeões de 69 a 75, e daí em 76 foi o Octa, mas eu já não estava mais. Também joguei umas 14 partidas no Brasileiro de 75. A decisão não joguei, estava machucado do joelho, que por sinal até hoje me incomoda.
Dentro dessas mais de 500 partidas que o senhor fez pelo Inter, tem alguma recordação especial?
Tem uma passagem que geralmente é lembrada. Em um Gre-Nal, eu fiz um gol contra, e aí logo depois fiz o gol de empate. Essa é uma lembrança viva na minha mente, porque naquela época o jogador que falhasse sempre era marcado, e eu dei sorte de fazer o gol de empate, foi uma felicidade imensa.
Você viveu a época do Estádio dos Eucaliptos e do Beira-Rio. Como foi essa transição de estádio para os jogadores?
Essa foi uma mudança muito radical, porque a gente saiu lá do campo dos Eucaliptos para o Beira Rio e era outra coisa, tudo novinho, limpo, maior, os vestiários, a concentração, o campo. Isso aí deu aquela vontade da gente fazer boa figura, e de fato aconteceu, já que a partir da inauguração a gente começou a ganhar título.
Dentro da sua história, o senhor sempre fala de Daltro Menezes. Qual foi a importância dele não só para sua carreira, mas também para o clube?
Vou falar para mim e para as outras pessoas. Daltro Menezes foi o treinador que iniciou a revolução no Inter. Ele veio do Juventude, começou a treinar o Inter, e a partir dali começamos a ser campeões. Ele nos ensinou muito e tinha respeito pelos atletas. Tem uma passagem que sempre conto. O Valdomiro, jogador que mais jogou pelo Internacional, jogava pela ponta direita e estava sendo vaiado. Naquela época o campo não tinha repartição, então dava 104 mil pessoas. O campo lotadinho vaiando o Valdomiro. Nós saímos do jogo, o Daltro Menezes chamou o Valdomiro e disse na nossa frente: “O Valdomiro só vai sair do time o dia que eu sair de treinador do Internacional”. E ele manteve o Valdomiro, que hoje é um dos maiores ídolos do clube.
O que você acha que era o diferencial daquela época para ter sido tão vencedora?
Tivemos um bom preparador físico, o Gilberto Tim, que é um monumento na profissão. Aí foi muito preparo físico e garra de gaúcho, já que naquela época a maioria dos jogadores eram criados dentro do clube. Então a vontade era imensa de ganhar e a gente sempre entrava em campo com a ideia que nós íamos vencer, mas tinha que se entregar de corpo e alma ao jogo.
Você tem feitos impressionantes pelo inter, sem contar os títulos. Dentre todos os ídolos, sente que tem o devido reconhecimento que deveria ter?
Eu tive uma época de reconhecimento, depois passou. Eu acho que eu podia ter tido um pouco mais. Não só eu, mas outros jogadores também. No meu caso, sempre fui meio “quietão”, não era muito de me expandir, então deve ter sido isso, porque além de ser o terceiro que mais jogou, fui o primeiro jogador que alcançou 500 jogos pelo Inter. Isso aí é uma marca, né? Não foram 11 dias, foram 11 anos de Sport Club Internacional.
Em 1975 você teve uma lesão no joelho e no ano seguinte saiu do Inter. Como é que foi a sua saída depois de 11 anos no clube?
Foi até uma saída meio gozada, porque com 11 anos lá dentro eu tinha estabilidade. Eu tive essa lesão no joelho, mas não precisaria ter saído. Como eu disse, eu sempre fui um cara tímido, e quando eles falaram que tinha um time interessado, eu não pensei muito, e saí. Podia ter ficado no Internacional, mas não fiz.
Como é a vida do Bibiano Pontes hoje?
Eu levo uma vida pacata, uma vida calma. Levo esse problema no joelho, já fiz duas cirurgias no quadril. Fiquei 33 dias internado por Covid, tive meningite. Então eu fiquei mais acomodado. Ainda bem que a patroa é muito boa e cuida de mim. Eu até incomodo ela, mas ela tem paciência de me aguentar. Além disso, tem os filhos, né? Os filhos são uma maravilha. O que eles fazem por nós não é de se acreditar, mas é uma coisa bonita de ver.
Além de viver em Taquari, também tem um consulado que leva seu nome. Qual a importância disso?
A Taquari eu devo muito. Olha, fui bem recebido, até hoje sou bem recebido. Eu tive a satisfação de ser reconhecido no consulado com o meu nome. Isso dentro do futebol é uma novidade, acho que no Brasil inteiro não tem um consulado ou coisa de ex-jogador que leve o nome.
Você ainda acompanha bastante futebol?
O Inter eu acompanho. Às vezes a seleção. Aqui na cidade tem o Pinheiros, tem o Taquariense, então às vezes vou lá ver um jogo. Mas nunca quis continuar no futebol. Nunca quis.
Comparando com a era que você viveu dentro do clube, o que falta ao Inter de hoje para chegar de novo àquele nível?
Eu acho que o uso da base é importante. Sempre tivemos jogadores como Dorinho, Falcão, Valdomiro, Claudiomiro, Carpegiani. O Carpegiani foi o melhor que vi. Então sempre tinha um. A gente não vê mais por aqui, mas volta e meia tu olha lá no Palmeiras, no Flamengo e aparece jogador bom da base. Também acho que está faltando um melhor relacionamento entre jogadores, porque foram bem no Gauchão e agora tá assim, parece que as peças não encaixam. E eu acho que a maneira de jogar também, já que os laterais deixam os pontas muito longe. Então eu acho que tá faltando mais entrosamento com o grupo.
Para fechar, o que é o Sport Club Internacional para você?
É uma lembrança que vai ficar marcada por muito tempo na minha vida tanto como jogador quanto torcedor. É um clube que leva a maioria do povo gaúcho a vibrar e conviver com o Sport Club Internacional.