Em um momento em que negócios e sustentabilidade começam a caminhar lado a lado, cresce no Brasil a discussão sobre economia de impacto: modelo que busca alinhar lucro, propósito e transformação social. A proposta que empresas e empreendedores, independentemente do poderio financeiro, passem a gerar impacto econômico, social e ambiental com o mesmo nível de prioridade.
Aurélia Melo é pesquisadora e especialista na área. Formada em engenharia mecânica, é mestra em administração pela UNICAMP e doutora em administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde hoje é professora. Aurélia também é conselheira na Coalizão pelo Impacto, programa que acontece em 6 cidades brasileiras, entre elas Porto Alegre. O programa tem como objetivo organizar ecossistemas locais de fomento e apoio a negócios de impacto socioambiental.

O que é, de forma simples, a economia de impacto?
A economia de impacto é uma proposta de novo modelo econômico, que convida todos, sejam empresas, organizações ou instituições para gerar impacto social, ambiental e econômico simultaneamente e com o mesmo grau de prioridade.
O grande desafio é que, tradicionalmente, as empresas focam no impacto econômico, e só algumas fazem ações sociais ou ambientais. A economia de impacto quer mudar isso: quer mostrar que gerar impacto não é custo, mas parte da estratégia da empresa. Assim como existe estratégia de marketing ou financeira, deve existir uma estratégia de impacto, com objetivos e metas claras.
O primeiro passo é a intencionalidade: a empresa precisa querer gerar impacto e estruturar isso de forma pragmática, não romântica. É entender quem são os beneficiários, o que se quer transformar e como alinhar tudo isso aos objetivos estratégicos do negócio.
Em resumo eu diria que a economia de impacto é sobre repensar a lógica de como geramos valor, não só no lucro, mas no que entregamos para a sociedade e para a natureza.
Então qualquer empresa pode gerar impacto?
Sim, todas podem e devem. Mas há especificidades, por isso existem os negócios de impacto socioambiental, que são especialistas nisso. Um exemplo é a Ciclo Reverso, que atua com logística reversa de resíduos, que gera impacto social e ambiental ao mesmo tempo.
Empresas tradicionais podem, por exemplo, incluir negócios como a Ciclo Reverso na sua cadeia produtiva, e assim gerar impacto de forma indireta. O importante é ter clareza sobre qual impacto se quer gerar e onde se quer causar transformação, pra não sair “atirando pra todo lado”.
Como se mede o impacto de um negócio?
Primeiro é preciso entender o que é transformação e quem é o público beneficiário, pode ser uma comunidade, um território, o meio ambiente, etc.
Depois disso, definem-se os objetivos de impacto, que são os resultados desejados, e as ações de impacto, que são as atividades que vão gerar esses resultados. A partir daí, criam-se indicadores.
Por exemplo: se o objetivo é promover inclusão produtiva de um grupo específico, o impacto será comprovado quando essas pessoas estiverem de fato inseridas no mercado de trabalho. É uma logica diferente do apenas numérico, não é como lucro ou vendas que são iguais independente da empresa.
Por que é importante estruturar ecossistemas de impacto?
Porque empreender com impacto é mais difícil. O empreendedor precisa desenvolver o negócio e, ao mesmo tempo, a estratégia de impacto. Então ele precisa de apoio, conexões, investidores e políticas públicas que fortaleçam essa jornada. É por isso que surgiram redes como a Coalizão pelo Impacto, que atua em cinco regiões do país justamente para fomentar ecossistemas que conectem empreendedores, investidores e organizações de apoio.

Quais resultados a Coalizão pelo Impacto já trouxe aqui no Rio Grande do Sul?
Conseguimos inserir o termo “startup de impacto” no vocabulário do ecossistema gaúcho. Criamos uma ação de difusão chamada Destravo Impacto, que tem atraído pessoas de todo o estado.
A PUC-RS, que sedia a Coalizão, tem sido fundamental nesse processo. Hoje já há bancos e fundos de investimento olhando para o setor, e conseguimos colocar os negócios de impacto “na vitrine”.
Como o Rio Grande do Sul tem se inserido nesse movimento?
O estado ainda está em uma fase de sensibilização e difusão do tema, mas avançou muito. Hoje já temos bancos, investidores e instituições como a PUCRS, UFRGS e UNISINOS discutindo o tema e reconhecendo os negócios de impacto como parte do ecossistema de inovação. A Coalizão pelo Impacto tem sido essencial nisso, promovendo eventos, capacitações e visibilidade.
E qual é o papel das universidades nesse cenário?
Fundamental. Elas precisam trazer o tema da economia de impacto para todas as áreas — ensino, pesquisa e extensão. Quando formamos profissionais que entendem esse conceito, diminuímos o estranhamento e aumentamos a capacidade de inovação. No dia em que falar de impacto for algo comum nas universidades, saberemos que estamos no caminho certo.
Você pode citar exemplos de negócios de impacto?
Podemos citar empresas como a Igapó que está com uma ativação na redenção, ou a Ecosynth que desenvolve enzimas tratam efluentes industriais sem uso de químicos agressivos. A MNZ, que trabalha com crédito de carbono ou empresas pioneiras como a própria Ciclo Reverso, pioneira em logística reversa.

Como diferenciar investimento de impacto e filantropia?
A filantropia geralmente é a fundo perdido, um apoio sem expectativa de retorno financeiro. Já o investidor de impacto busca retorno, mas junto com ele, quer gerar valor social, ambiental e econômico. Ou seja: o investidor de impacto acredita que o lucro e o bem social podem andar juntos.
As enchentes recentes afetaram esse ecossistema no RS?
Sim, afetaram fortemente. Muitos negócios de impacto perderam máquinas, equipamentos e espaços físicos. Mas o ecossistema se mobilizou rapidamente, tivemos iniciativas como o programa “De Volta pro Futuro”, que ajudou na recuperação, mostrando como é essencial ter estrutura e atores organizados para reagir em rede.
Quais os principais erros que você observa quando o tema é “impacto”?
O erro mais comum é o uso do termo “impacto” de forma superficial, como ferramenta de marketing. Muitas empresas se apropriam do discurso sem ter uma estratégia real por trás, é o chamado “impact washing“. Outro equívoco é o romantismo: achar que basta “fazer o bem” sem pensar em sustentabilidade financeira. Impacto exige planejamento, métricas e resultados concretos. Também há quem confunda seguir a Agenda 2030, as ODS, com ter impacto, quando, na verdade, é preciso definir um foco claro de transformação. Sem estratégia e sem mensuração, o discurso perde força e o propósito se dilui, transformando o que deveria ser mudança estrutural em mera propaganda.
E o poder público, tem papel ativo nesse processo?
Ainda estamos em fase de início de diálogo, poucos gestores entendem o conceito, mas isso está mudando. Alguns estados já têm leis e regulações específicas, mas ainda há lacunas: grandes empresas conhecem pouco os negócios de impacto, e muitos empreendedores ainda não têm capacidade produtiva para atender grandes demandas. É um processo que está começando agora.
Se olharmos para os próximos dez anos, como você enxerga o futuro da economia de impacto no Brasil?
Sou otimista. Acredito que teremos um ecossistema mais integrado e maduro, com mais negócios consolidados e profissionais formados no tema. A própria Coalizão pelo Impacto tem a meta de 600 negócios atuando em seis cidades, o que já mostra o potencial de crescimento. O futuro é de mais colaboração e menos estranhamento — falar de impacto vai ser algo natural.

