A dívida pública da administração municipal de Novo Hamburgo, que chega a R$ 200 milhões segundo a gestão atual, segue em pauta no cenário político da cidade do Vale do Sinos. Para conter as despesas acumuladas, a prefeitura, liderada pelo prefeito Gustavo Finck (PP), chegou a decretar estado de calamidade financeira em março de 2025. Entre as principais medidas estava o bloqueio de 25% de todo o orçamento público.
Mais recentemente, em 24 de outubro, Finck publicou um vídeo nas redes sociais ao qual disse que “para poder entregar serviços de qualidade no futuro, tivemos que fechar as torneiras agora nesse primeiro ano de mandato”. Entre os cortes está a redução nos cargos de confiança, entrega de veículos locados que não eram necessários e a renovação de contratos públicos através de novas licitações.
Com o intuito de obter o contraponto da antiga gestão municipal e entender de onde vem as dívidas do município, a reportagem da Beta Redação ouviu Gilberto dos Reis, conhecido como Betinho, ex-secretário municipal da Fazenda, responsável por gerenciar a verba da Prefeitura de Novo Hamburgo de 2017 a 2024. Confira abaixo a íntegra das entrevista:

Como o senhor entrou para política? e quais cargos já teve desde então?
Eu iniciei na Prefeitura em 1983 como assessor de gabinete. Depois, na mesma administração, eu fui secretário especial de Assessoramento e secretário de Planejamento do Prefeito Atalíbio Foscarini (PMDB). E aí começou uma carreira que eu fui secretário de todos os prefeitos que eu trabalhei.
Fui secretário de Planejamento do Paulo Ritzel (PMDB). Secretário da Saúde do Airton Santos (PDT). Secretário da Fazenda de Tarcísio Zimmermann (PT). Secretário de Habitação de Luís Lauermann (PT). E fui secretário da Fazenda, por fim, da Prefeita Fátima Daudt (PSDB e MDB).
Com o que o senhor trabalha atualmente?
Como estava finalizando o governo da Fátima, eu me planejei para a minha aposentadoria. Então comecei com o comércio de autopeças, e depois a gente agregou um bazar ao lado da autopeças.

Como é a função de secretário da Fazenda? Como é lidar com tanto dinheiro?
É uma tarefa que me exigiu muito, principalmente nos últimos anos. Nós lidamos com um orçamento em torno de R$ 2 bilhões ao ano. É comandado e capitaneado pelo prefeito que está em exercício, mas cabe ao gestor da Secretaria da Fazenda cuidar para que os recursos sejam bem direcionados ao cidadão.
Chega orçamento suficiente para a administração municipal?
O cobertor é curto. Não se lida com orçamento público com sobra de recursos.
Lá nos anos 1980, onde a economia estava em franca ascensão. O município arrecadava proporcionalmente muito mais do que arrecada hoje.
Novo Hamburgo, por vários motivos, foi perdendo a força da sua arrecadação. Até porque foram incorporando mais municípios no Estado e a arrecadação do ICMS foi dividida entre mais localidades. As indústrias também migraram ou viraram comércio. Isso trouxe muita dificuldade a todos os administradores, principalmente nos últimos 15 anos onde realmente houve um decréscimo da receita e um aumento muito significativo nas despesas do município.
Como foi a transição do governo da ex-prefeita Fátima para o do atual mandatário?
Eu participei da equipe de transição do governo, então eu posso afirmar que a transição se deu de uma forma muito formal. O normal é o futuro secretário dialogar com o secretário atual. Essa conversa não teve em nenhum setor da Prefeitura.
Entrando no assunto da dívida. Isso já vem de governos anteriores? Ou foi um problema que se criou no último mandato?
Como eu disse anteriormente, a dívida existe em decorrência de uma despesa maior que arrecadação do município. Isso vem acontecendo há, no mínimo, uns 15 anos.
A dívida deixada pela gestão anterior é de R$ 117 milhões. E não são os números inventados pela administração atual, que levantou vários números e não provaram nenhum.
Os números oficiais são, basicamente, oriundos da dívida com o Ipasem, Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores Municipais de Novo Hamburgo. Dos R$ 117 milhões que a gestão anterior deixou, R$ 79 milhões são com o Ipasem. Era muito importante que fosse aprovada a reforma previdenciária na Câmara de Vereadores. Esse projeto foi colocado em votação no ano de 2023 e foi rejeitado.

O Instituto fica precarizado porque ele tem um déficit muito grande e esse déficit se transfere para o município. O município não consegue pagar e essa bola de neve vai aumentando mais.
Somado a isso, existe um problema muito grave nos investimentos na saúde. Os municípios precisam investir, constitucionalmente, 15% dos seus orçamentos na saúde. Os municípios estão investindo pelo menos 25% na saúde, porque tem que dar o atendimento ao cidadão que mora na sua cidade. Mas não se tem recurso para isso. Então, quanto mais você investe em uma área, mais você deixa as outras áreas descobertas.
O atual prefeito, Gustavo Finck, falou sobre enxugar as torneiras públicas. Olhando de fora, como é que o senhor vê essas declarações?
O prefeito, muito embora ele negue, mas tem feito a velha política. Ele tenta desmerecer por completo o governo anterior e dizer que ele está fazendo alguma coisa.
Ele disse que decretou um estado de calamidade pública nas finanças do município, coisa que nunca aconteceu. Eu tenho convicção que não teve calamidade financeira no município. O que pode ter tido é uma calamidade administrativa dele não saber lidar com as dificuldades financeiras que o município apresenta.
O prefeito vem fazendo algumas ações que eu acho importantes. Vem revendo alguns contratos e fazendo algumas economias. Mas isso não é suficiente para cobrir um déficit que a prefeitura tem de R$ 117 milhões. São necessárias essas medidas de austeridade, mas elas não são suficientes.
O prefeito precisa fazer alguma mudança mais estrutural na Prefeitura, atrair mais empresas para arrecadar mais. Na minha opinião, não vai conseguir isso com um distrito industrial, que é um modelo já ultrapassado. Talvez seria melhor ter condomínios industriais nos bairros.
Qual o principal problema financeiro que precisa ser enfrentado atualmente?
O município passa por muitas dificuldades financeiras e precisa enfrentar o problema da previdência. Anteriormente o prefeito votou contra o projeto da reforma da previdência municipal na Câmara de Vereadores. Também pediu voto contra o projeto, talvez num ato politiqueiro na época. Agora, pensando melhor, ele reviu a necessidade de fazer a aprovação desse projeto. Não é fácil enfrentar os problemas financeiros do município. Não tem solução mágica.
O prefeito falava muito na campanha que não era falta de dinheiro, era falta de gestão. Agora como prefeito ele vê que não é falta de gestão. Realmente falta dinheiro. O prefeito tem atrasado os fornecedores em mais de 120 dias. A gente recebe essa notícia que os prestadores de serviço da prefeitura têm enfrentado muitas dificuldades para continuar realizando o serviço pelo atraso no pagamento.
O que mais seria necessário para entrar mais dinheiro do que sai no município?
Então, se reduzir despesas, tu vai sacrificar a população, tu vai parar de prestar serviço para a população. A única maneira de resolver essa equação é fazer com que a receita suba através de impostos. Não criando novos impostos, mas fazendo com que as empresas gerem mais impostos. Ou buscar que o Estado e a União façam mais investimentos na saúde.
Existe alguma possibilidade do Betinho voltar para a vida pública na política?
Eu acho que a minha participação na vida pública terminou. Eu trabalhei 43 anos na prefeitura. Me dediquei ao máximo trabalhando com todos os prefeitos de todos os partidos que passaram pela prefeitura. Então, eu acho que a minha colaboração foi dada. Vou cuidar da minha vida privada.
