Gabriela Ortiz: “As mulheres ainda não têm oportunidade de participar da política”


Natural de Sapucaia do Sul, Gabriela Ortiz já foi vereadora de Sapucaia no ano de 2020. Em 2022, como deputada federal, foi a mulher mais votada da cidade com mais de 9 mil votos. Atualmente, de 11 cadeiras na Câmara de Vereadores de Sapucaia do Sul, apenas duas são ocupadas por mulheres. Em 2020, quando Gabriela se elegeu pela primeira vez, ela foi uma das três mulheres entre sete homens eleitos vereadores.

Nas eleições de 2024, recebeu mais de 2.400 votos, mas não conseguiu ser eleita por conta do coeficiente eleitoral do partido. Atualmente, é presidenta da Fundação Leonel Brizola, e participa de vários movimentos e lutas populares, como o Núcleo Feminino Bertha Luz, organização pela dignidade menstrual.

Em seus anos de atuação na política criou projetos de lei como o Dezembro Laranja, que visa conscientizar sobre o câncer de pele, e a Lei Dossiê Mulheres Sapucaienses, elaboração de pesquisas periódicas sobre a violência contra mulheres de Sapucaia. Foi durante sua graduação em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que a vontade de concorrer a um cargo político surgiu. Nesta entrevista, Gabriela conta sobre sua trajetória, o que a motivou a seguir na vida política e os projetos atuais. Confira os principais trechos:

Desde quando a política faz parte da sua vida?

Eu já nasci a partir de uma política pública, porque a minha mãe biológica não pôde me criar, essa é a verdade, e me entregou para um abrigo lá na Santa Casa. A Santa Casa deu a continuidade e eu acabei sendo adotada. Meus pais adotivos sempre foram militantes. Eles eram militantes do PT há muito tempo na cidade de Sapucaia do Sul. Nunca tiveram cargo, nunca concorreram a nada, mas eram militantes por acreditar na causa e no mundo melhor. Aquela coisa bem utópica. Em 2002, o Lula veio a Sapucaia e eu subia na garupa do meu pai. São flashes que eu tenho de quando era criança. Quando eu entrei no ensino médio técnico no IFSul, aqui em Sapucaia, foi a minha porta de entrada, porque eu já comecei participando das instituições do Grêmio Estudantil. E foi ali que eu me descobri definitivamente. Consegui, a partir de vários trabalhos, entender as desigualdades. Em 2015, eu comecei a trabalhar como jovem aprendiz na Copagaz, e lá sofria tudo o que puder imaginar de machismo, de sexismo, de assédio moral, físico, sexual. A equipe era 90% homens e 10% mulheres, que eram parte do administrativo. Era um ambiente muito hostil, foi ali também que começou a vontade de ir atrás dos meus direitos. E foi na faculdade de políticas públicas que eu me encontrei. Foi ali que eu vi o que eu queria pra minha vida. Consegui me construir, não somente enquanto mulher militante, mas principalmente enquanto ser social.

Como você iniciou sua trajetória na política?

Em 2019, eu estava na metade da faculdade e fui participar do programa do Congresso Nacional, o Estágio-Visita. Pode participar qualquer curso de graduação e, na época, era 100% gratuito, eles só não pagavam a passagem. Eram 69 alunos de todo o Brasil participando. Era maravilhoso. Eu lembro que do Rio Grande do Sul era eu e uma menina de Pelotas. Em um momento, perguntaram para a gente “quem aqui já pensou em concorrer a um cargo eletivo?” e todos os meninos levantaram a mão. As mulheres só faltavam se jogar para debaixo da mesa. Eu não levantei a mão, porque o meu sonho era terminar políticas públicas, fazer um concurso público para o Ministério da Fazenda e trabalhar na economia. Aí eu fui carregar meu telefone, e lá na Câmara Federal tem um quadro com as deputadas. Na época, isso era 2019, o país tinha só 55 mulheres deputadas federais, de um rol de 513. Foi o momento da minha vida que virou a chave. Em setembro de 2019, eu me filio ao PDT e peço para concorrer no partido. Quando eu liguei para o presidente do partido, ele deu uma risada e disse “é o melhor dia da minha vida”. E aí, eu entendi por que era o melhor dia da vida dele, porque não existe uma mulher de forma voluntária querer concorrer no mundo atual que nós vivemos.

Como foi para você ser a mulher mais votada na história de Sapucaia do Sul?

Foi muito bom. Até porque, lá em 2020, quando me candidatei pela primeira vez, ninguém acreditava em mim, absolutamente todo mundo dizia “ah, muito bom, que legal, tu tá jovem, estuda, tu tem esses ideais, mas assim, sabe que não vai dar em nada, né?”. Para eu fazer campanha sempre foi mais difícil. Preciso que as pessoas acreditem em mim. Sou analista de políticas públicas, eu não faço política só no ano da eleição. Então, em 2022, foi um divisor de águas, receber mais de 9 mil votos concorrendo a deputada federal. Eu aprendi a fazer campanha também, porque eu tinha feito campanha em 2020 e era num cenário de pandemia, era completamente diferente, então o ano de 2022 me deu esse fôlego.

Em quais projetos você está envolvida atualmente?

Eu sou brizolista, acho que o Brizola foi o cara que mais fez escola. Um cara que dizia que criança tinha que comer três vezes no dia, no mínimo, e que de preferência fosse dentro da escola, em uma escola em tempo integral. Hoje eu trabalho na Fundação Leonel Brizola, permaneço no PDT. A gente trabalha com formação política, tentando trazer outras pessoas para ressignificar as lutas, os rostos também, porque a gente está falando de educação, de cultura para a periferia e acho que todo mundo tem que ter acesso a esse trabalho. Eu trabalho para a população trans, para as crianças que são abusadas sexualmente, em defesa dessas crianças e entre outras. É importante que as pessoas tenham essa clareza das pautas. Ninguém nunca deu nada para ninguém, então eu tenho que trabalhar para construir, construir partido, construir movimento. Eu estou andando pelo Estado todo, porque quero concorrer futuramente. A gente precisa continuar mostrando para aquela menina lá da periferia que alguém que veio do mesmo lugar, que tem uma historinha bem parecida com a dela, pode ser uma deputada, federal, estadual, senadora, presidente do país, enfim, ela pode chegar aonde quiser.

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