
Natural de São Leopoldo, Tiago da Silva encontrou no boxe uma paixão que transformou sua vida — e a de muitas outras pessoas. Começou no kickboxing aos 19 anos e desde então construiu uma trajetória marcada por conquistas, superação e compromisso social. Hoje, lidera um projeto que leva o esporte a crianças, adolescentes e adultos, promovendo inclusão, saúde mental e novas oportunidades.
As aulas do projeto social acontecem todas às segundas-feiras, das 19h às 20h, no ginásio do Parque do Trabalhador, em São Leopoldo. O espaço se tornou um ponto de encontro para quem busca mais do que atividade física, um ambiente de acolhimento, disciplina e transformação por meio do boxe.
Como começou a tua trajetória no esporte?
Comecei no kickboxing aos 19 anos e ganhei as minhas dez primeiras lutas. Fui convidado para lutar boxe no Uruguai, e foi lá que me apaixonei de vez pelo esporte. Depois disso, comecei a ir três vezes por semana para Sapiranga em busca de treinos mais fortes. Naquela época, lá por 1999, não consegui patrocínio, então competia por Sapiranga mesmo, com ajuda em inscrição, transporte, suplemento e alimentação.
E como surgiu o teu trabalho como professor?
Em 2005 comecei a dar aula na Paim, aqui em São Leopoldo, num projeto social. Eram 54 crianças e adolescentes. Alguns começaram a se destacar e, em pouco tempo, tínhamos a equipe mais forte do Rio Grande do Sul. Dos oito melhores atletas do estado, oito eram meus alunos.
De onde veio a ideia de criar o projeto social de boxe?
Surgiu naturalmente. Eu já tinha uma academia no centro e trabalhava na Taurus, numa metalúrgica em São Leopoldo. Metade do meu salário ia para manter a academia. Muitas crianças não tinham condições de pagar, então comecei a dar aulas gratuitas. Eu substituí um professor uma vez e nunca mais parei. Sempre achei que o esporte pode mudar vidas, e vi isso acontecer.
Teve algum aluno que marcou a tua trajetória?
Sim, o Rafael Kaiser. Ele foi para três mundiais, na China, Rússia e Itália. Colecionou títulos: bicampeão mundial WAKO, bicampeão panamericano, bicampeão sul-americano, tricampeão da Copa Brasil, tricampeão brasileiro e pentacampeão gaúcho de boxe e kickboxing. Hoje ele mora em São Paulo, é casado e é secretário de Esporte em Itanhaém.
Quem procura o boxe hoje?
Tem de tudo. Muita gente chega por causa da depressão, buscando qualidade de vida ou até por estética. É um esporte que exige foco e disciplina, e isso ajuda demais. As crianças aprendem brincando, as mulheres geralmente fazem os movimentos com mais perfeição e os homens, às vezes, têm dificuldade de lidar com os golpes ou com a técnica, mas todo mundo aprende com o tempo.

Como o esporte transformou a tua vida pessoal e profissional?
O boxe me ensinou a ter disciplina e paciência. Antes eu trabalhava o dia todo na metalúrgica, mas era no treino que eu me encontrava. O esporte me deu propósito e me mostrou que eu podia mudar a realidade de outras pessoas também. Hoje, quando vejo meus alunos conquistando espaço, sinto que todo esforço valeu a pena.
Quais são os principais desafios para manter o projeto hoje?
O custo dos materiais. Luvas, protetor bucal e ataduras são caros. Muitos alunos vêm de famílias com poucos recursos, então a gente tenta ajudar como pode. Felizmente, conseguimos apoio da Prefeitura de Rio Grande, que nos doou luvas, tatames e outros materiais. Recebemos o apoio do governo atual para reformar toda a quadra do Parque do Trabalhador, onde treinamos.
Qual é a importância do apoio público e da comunidade para manter um projeto como o teu?
É fundamental. Sem o apoio da prefeitura e das pessoas que acreditam no nosso trabalho, o projeto não existiria. A gente precisa de incentivo, principalmente para as crianças e adolescentes que estão em situação de vulnerabilidade. O esporte é uma ferramenta de transformação, mas sem estrutura, fica difícil chegar longe.
O que mais te motiva a continuar mesmo com tantas dificuldades?
Ver a evolução dos alunos. Quando uma criança que chegou tímida, sem confiança, começa a sorrir e acreditar nela mesma, isso não tem preço. O boxe é muito mais do que um esporte — é uma escola de vida. Enquanto eu tiver saúde, vou continuar ensinando e aprendendo com eles.
Como você enxerga o projeto daqui a cinco anos?
Quero manter o espaço, ter mais apoio com materiais e, quem sabe, conseguir um ringue de novo. Quando eu tinha a academia, vendi o ringue para a Prefeitura de Esteio por 18 mil reais para conseguir mantê-la aberta. Hoje, a gente não tem tudo, mas tem o mais importante: o material humano. É isso que faz tudo valer a pena.