Um quintal para a cidade: a história por trás da No Pátio 

Criada pela jornalista Aline Marques, a livraria-cafeteria se consolidou como um espaço que une literatura, café, encontros e criatividade

Um quintal que virou ponto de encontro, na No Pátio, em São Leopoldo, você é recebido pelo cheiro de café recém passado e pelas prateleiras repletas de livros. O som que vem do fundo é de conversa, riso e, às vezes, de música ao vivo. É difícil saber se o local é mais uma livraria, uma cafeteria ou uma casa de avó. Fundada em 2022 pela jornalista Aline Marques, 57 anos, a No Pátio nasceu do sonho antigo de abrir uma livraria. Um sonho que resistiu ao luto e à pandemia. Hoje, três anos depois, o empreendimento se consolidou como referência cultural e modelo de negócio criativo na cidade.

“Aqui é para ser como uma casa de vó, onde as pessoas se sentem à vontade”, explica Aline. Nícolas Suppelsa/Beta Redação 

A história da No Pátio começou como um sonho compartilhado entre Aline e seu irmão, ambos apaixonados por livros e música. Durante um período crítico de saúde dele, surgiu a ideia de abrir uma livraria, mas ele faleceu antes que pudesse se concretizar. Aline guardou o sonho e seguiu trabalhando na comunicação até que, durante a pandemia, atuando no Hospital Centenário, a decisão de transformar a própria vida amadureceu. “Eu via gente morrer todos os dias. E pensei: não vou morrer sem realizar o meu sonho, que é ter a minha livraria.”

Assim nasceu a No Pátio, um espaço que reúne livraria, café e centro cultural, tudo feito de forma colaborativa. Sem grandes investimentos, Aline vendeu o que pôde e, junto com uma sócia e um sócio, começou a transformar o sonho em realidade. Foram seis meses de trabalho intenso. Pintaram paredes, restauraram móveis e transformaram o quintal em um ambiente acolhedor. Cada detalhe carregava uma história pessoal e uma homenagem, como a persona do espaço, inspirada no irmão de Aline. 

A No Pátio foi pensada para ser muito mais do que uma livraria. “O objetivo principal da No Pátio é que as pessoas se sintam como na casa da avó”, explica Aline. Sofás confortáveis, tapetes, livros à disposição para leitura e venda, além de jogos, criam um ambiente de acolhimento e convivência. Mas, além do aconchego, há um dado essencial: o negócio dá certo. O café, inicialmente planejado como complemento da livraria, hoje responde por cerca de 60% do faturamento, enquanto os livros e atividades culturais fortalecem a marca. 

Apesar da livraria ser o foco do empreendimento, a cafeteria é o que sustenta o negócio. Nícolas Suppelsa/Beta Redação 

Tudo é feito artesanalmente pela própria Aline, seguindo receitas da família, como pão de queijo, bolos caseiros, croissants e sanduíches. Esse cuidado reforça a ideia de aconchego e aproximação com os clientes, que se tornam frequentadores assíduos. O espaço funciona de terça a sábado, das 13h30 às 20h, e domingos e feriados, das 15h às 20h, contando com uma equipe de três funcionários fixos e freelancers nos finais de semana. 

A No Pátio também é um exemplo de como a economia criativa pode gerar retorno financeiro real. Segundo estudo recente do Ministério da Cultura, o PIB da cultura e economia criativa já supera o da indústria automobilística, movimentando cerca de R$ 270 bilhões por ano, equivalente a 3% do PIB nacional. Em 2023, a economia criativa gerou mais de 7 milhões de empregos diretos e indiretos, mostrando que investir em cultura não é apenas lazer, mas estratégia de desenvolvimento. 

Apesar de o projeto ter partido de um sonho pessoal e não de pesquisas de mercado, Aline percebeu que a cidade carecia de um espaço assim. “Em São Leopoldo não tinha uma livraria que unisse literatura, café, comida gostosa e espaço confortável.” A curadoria diferenciada de livros, com foco exclusivo em literatura, e a organização criativa das estantes, tornam a experiência de compra mais intuitiva e lúdica. Cada seção tem personalidade própria, como a área infantojuvenil chamada Gurizada. “A gente disputa muito com o mercado digital, com o on-line, mas eu noto que as pessoas preferem sair já com o livro na mão do que ter que esperar dois, três dias a entrega. E, em termos de valores, eu consegui abrir mão, apertar um pouco aqui e ali, para que os preços sejam também acessíveis.” 

Muitos escritores locais aproveitam o espaço para lançar seus livros, criando um vínculo direto com leitores. Há ainda um espaço reservado para autores da cidade, reforçando a valorização da produção cultural local e incentivando o público a descobrir novos talentos. 

Os livros são expostos em categorias diferentes, fugindo das catalogações por gênero tradicionais. Nícolas Suppelsa

O público rapidamente respondeu à iniciativa. Oficinas de pintura, artesanato, clubes do livro e exposições de arte também movimentam o local, sempre com liberdade para que os próprios frequentadores construam a agenda cultural. “Não tem ‘não’ aqui. As pessoas trazem as ideias e a gente faz acontecer”, explica Aline.

A experiência de Aline mostra que empreender na cultura é possível e rentável. Mais do que vender café e livros, a No Pátio preenche uma lacuna cultural, econômica e social em São Leopoldo. “A No Pátio preencheu um buraco que existia em São Leopoldo. As pessoas não precisam mais sair da cidade para viver cultura.” Pelo contrário, moradores de cidades vizinhas, como Campo Bom e Novo Hamburgo, visitam o local para participar de eventos, comprar livros ou simplesmente desfrutar do ambiente. O resultado é um espaço que se tornou referência local, não apenas como cafeteria, mas como centro cultural de convivência e produção artística. 

Obras de artistas locais preenchem o espaço da livraria-cafeteria. Nícolas Suppelsa/Beta Redação 

Enquanto o Brasil ainda engatinha em políticas de fomento e crédito para empreendimentos culturais, iniciativas como a No Pátio mostram que investir em cultura é também investir em pessoas, em cidades mais vibrantes e em uma economia diversificada. A trajetória de Aline Marques prova que esse investimento pode começar de forma simples, com um sonho guardado numa gaveta e um bom café, mas crescer com esforço, criatividade e dedicação até se tornar referência para empreendedores e artistas. Mais do que vender livros ou cafés, o espaço gera impacto social, cultural e econômico, reafirmando que investir em cultura é, sim, um caminho sustentável e rentável.

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