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Vereador defende projeto de lei para garantir direitos de comunidades de matriz africana em São Leopoldo

Professor por vocação, Ricardo Luz cresceu em um ambiente onde a política sempre esteve presente. Filho de um pai engajado, ainda que sem vínculo partidário formal, foi desde cedo acostumado a frequentar encontros e debates públicos. Na juventude, atuou em grêmios estudantis e no Diretório Central de Estudantes da Unisinos. Mais tarde, sua militância se consolidou na convivência com lideranças políticas locais, em especial na Zona Norte de São Leopoldo, onde cresceu.

Com passagem pela Secretaria de Educação e pelas salas de aula, Luz construiu uma trajetória que une a prática pedagógica ao compromisso político, agora como vereador em São Leopoldo pelo PT. Nesta entrevista, comenta o projeto de lei  nº 059/2025 que busca regularizar e transformar de forma permanente a proteção às casas de religiões de matriz africana em São Leopoldo, promessa que fez em visita aos terreiros ainda na campanha eleitoral de 2024.

O projeto de lei foi aprovado por unanimidade em primeira votação na Câmara de Vereadores no dia 2 de outubro. O projeto agora espera a segunda votação e a sanção do Executivo de São Leopoldo, garantindo que a regulamentação das Casas de Matriz Africana na cidade se torne Lei Municipal oficialmente.

Confira os principais trechos da entrevista:

O que motivou o senhor a propor esse projeto de lei?

A religião sempre teve uma importância grande para mim, eu fui catequista por muito tempo. Mas, religião no sentido real da palavra, não o que às vezes acontece hoje. Religião mesmo, de estar junto, e ter um coletivo que tá ali com solidariedade, sem preconceito. Aquela religião que prega com muita força a teologia da libertação. Que é a veia do Padre Orestes, que é a minha veia, que é o que eu realmente acredito. E isso pode estar em qualquer religião. Por conta disso, sempre fui aberto a todas as religiões, independente de que elas sejam, desde que elas não roubem as pessoas.

A partir da campanha, muitas pessoas ligadas a essas religiões estavam comigo. Fui conhecendo as casas, pais e mães de santo, ouvindo sobre o preconceito que sofrem. O governo do prefeito Ary Vanazzi já havia publicado um decreto municipal garantindo proteção a essa comunidade, mas entendemos, a partir de um movimento coletivo, que isso precisava virar lei. Porque um decreto o governo pode revogar, a lei não.

Eu sempre digo: não faço promessas, assumo compromissos que posso cumprir. E um deles foi esse, de transformar o decreto em lei. Mas não é um projeto meu. É das casas. Elas ajudaram a construir o texto e precisam se mobilizar para sua aprovação.

De que forma essa lei pode contribuir para reduzir os casos de intolerância religiosa no município?

O decreto que já existe hoje protege São Leopoldo e as casas de matriz africana daqui com muito mais eficácia do que acontece em cidades vizinhas, onde não há esse decreto. Sempre cito um exemplo recente: no final do ano passado, uma atividade religiosa que seria realizada em Sapucaia não conseguiu autorização da prefeitura e precisou ser transferida para São Leopoldo.

A discriminação que percebemos em cidades vizinhas é muito maior do que aqui. Porque aqui existe o decreto. Ele inibe, no mínimo, aquela repressão institucional. Já o preconceito individual, que é do campo íntimo e cultural, o decreto ajuda, mas não resolve. Esse preconceito vamos ter que desconstruir aos poucos, combatendo inclusive o preconceito inter-religioso de algumas correntes que acham que detêm a verdade única. Isso é algo que está no foro íntimo de cada pessoa.

Agora, o preconceito de Estado – aquele que envolve repressão policial, da guarda ou de órgãos de segurança – esse o decreto consegue combater. Porque a placa de regularização não é só um enfeite: ela diz claramente ao órgão de segurança que aquela casa está protegida. Isso cria um certo respeito. Resolve o problema? Óbvio que não. Acaba com o preconceito? Com certeza não. Mas ajuda no processo, que é longo, porque é cultural.

Ainda ouvimos aquelas bobagens de sempre, como dizer que “lá é coisa do demônio”. Um pai de santo nos contou um episódio marcante: durante a enchente, ele abriu a casa – que não foi atingida pela água – para receber doações de comida, remédio e roupas. Mesmo assim, houve gente que disse que não iria buscar nada porque “era da casa de religião”. Sabe o que ele fez? Colocou roupa comum, levou tudo para a esquina e formou fila. As mesmas pessoas que diziam que não iam, pegaram.

Esse tipo de preconceito não resolve. É a educação que resolve. Agora, a lei pode punir e garantir direitos. Ela não muda mentalidades sozinha, mas dá proteção concreta às casas.

Há outros modelos que serviram de inspiração em outros municípios ou estados para esta lei?

Fizemos alguns estudos, Gravataí tem uma lei que a gente já conhece e tem outros locais que estamos arregimentando para o segundo passo, que é a regulamentação da lei. A lei  não pode dizer como vai funcionar, não regulamenta como vai acontecer os procedimentos dela, porque isso só quem pode fazer é o prefeito. Então o que a lei nossa está fazendo é dizer que é necessário proteger as casas, ponto. A regulamentação, como é que isso vai funcionar depois, é outra luta que as casas vão ter que fazer.

O senhor acredita que o projeto enfrentará resistência dentro da Câmara, mesmo com a aprovação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)?

Pode haver, sim. Nós apresentamos um projeto há algum tempo, não foi agora. Não foi hoje ou ontem. Mas ele chegou na CCJ, que é o trâmite para qualquer projeto de lei. No início, demorou para definirem um relator, porque ninguém queria. Afinal, a CCJ é composta por dois pastores, um vereador evangélico e o Anderson, que é do PT. Acabou ficando na mão de um pastor. Ele pediu vista, segurou um tempo, depois pediu mais tempo de novo. No fim, acabou dando parecer favorável. Mas segurou o processo. Depois disso, o projeto foi para a Comissão de Direitos Humanos. Ali até demorou um pouquinho, mas foi dentro do previsto. Deu certo, mas poderá haver resistência, sim. Agora, se tiver mobilização, não acredito que barre. Por isso, as comunidades têm que se articular para pressionar os vereadores.

De que forma o senhor imagina que essa lei pode transformar a realidade das mais de 400 casas de matriz africana em São Leopoldo?

Transformar o decreto em lei, não vai fazer uma grande alteração na regulamentação, mas fazer algo ainda mais importante, que é mobilizar as casas para que elas façam o debate em torno daquilo que elas acham mais importante. Então, unir as casas, trazer as comunidades para o debate público, é o grande salto dessa lei. Fazer a política, não a política partidária, mas a política real, com as lideranças e integrantes das casas participando e mostrando sua voz no aspecto legislativo de São Leopoldo.

Para encerrar, qual mensagem o senhor gostaria de deixar às comunidades de matriz africana que hoje enfrentam preconceito, mas que também resistem e preservam sua cultura no município?

A mensagem que eu quero deixar, é que não existe sociedade brasileira sem as culturas e religiões de matriz africana. Se essa cultura, que eles trouxeram, que inclusive, aqui se miscigenou, ela é tão importante para nossa vida, elas têm o direito de se manifestar livremente, assim como todas as religiões. Repito algo que falei em uma rádio, após perguntado se essa lei iria servir para todas as religiões, eu nunca vi nenhuma igreja ser apedrejada, eu nunca vi nenhum pastor ou padre serem xingados na rua, ou uma criança na escola não dizer que é de religião cristã com medo de sofrer preconceito. Portanto, esta lei é para as comunidades de matriz africana poderem se manifestar livremente. Meu mandato se comprometeu, desde a campanha, a ser uma voz visível delas.

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