Leviana não, Luciana Genro

A trajetória da atual deputada estadual gaúcha, o que ela pensa sobre o presente e o futuro da política e outras histórias marcantes da sua carreira

Luciana Genro, 54 anos, é uma política conhecida por muitos gaúchos e brasileiros. Ela, que já concorreu à Presidência da República em 2014, tem os cabelos cacheados como característica marcante. Seus fios, que por muitos anos foram loiros, agora estão mais ruivos, o que ressalta ainda mais seus olhos verdes, iguais aos de seu pai, o ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro.

Além das semelhanças políticas, fisicamente, ela é muito parecida com Tarso. Apesar de ser conhecida pela sua postura combativa nas tribunas, sua voz é doce e muito calma, seu estilo é marcado por peças clássicas. No dia em que conversou com a reportagem da Beta Redação ela estava com uma camisa de seda e casaco com corte reto, as unhas pintadas de vermelho, um batom vinho e um colar vermelho com pingente de coração colorido, calça preta e salto alto.

Ela criou o Partido Socialismo e Liberdade – PSOL junto com a então senadora Heloísa Helena e os também então deputados federais Babá e João Fontes após eles serem expulsos do PT, em 2004, por discordarem da Reforma da Previdência dos servidores públicos que foi proposta nos primeiros meses do governo Lula 1. “A partir desses confrontos, a gente começou a ver a necessidade de um novo partido que mantivesse as bandeiras que o PT estava abandonando”, conta.

Luciana conta que seu cabelo já foi motivo de piadas, mas rebate dizendo que o crespo mexe com as pessoas, “ele incomoda, talvez por ser um sinal de que eu não estou aqui para agradar”. LAURA SANTIAGO/BETA REDAÇÃO 

A criação do PSOL

Prestes a completar 20 anos, o partido hoje agrega figuras extremamente populares nas redes sociais como a deputada federal por São Paulo, Erika Hilton, e o deputado estadual gaúcho Matheus Gomes. “A popularidade do PSOL, vem, justamente, desse vazio que o PT deixou a partir do momento em que chegou no poder e abandonou algumas bandeiras e, principalmente, um trabalho mais voltado à organização das bases. Isso deixou um espaço para o fortalecimento do PSOL. O partido consegue agregar, além das lutas tradicionais da esquerda e da classe trabalhadora, esses novos movimentos que surgiram nos últimos anos, como as lutas LGBT e antirracista”, reforça.

O processo de desvinculação do PT foi difícil devido à força de Lula na época, recém-eleito. Elas e os colegas parlamentares foram acusados de serem radicais, ficando conhecidos por esse rótulo. “Tinha muitos deputados insatisfeitos, porém a ameaça de expulsão fez a maioria recuar. E nós ficamos sozinhos; nós quatro acabamos sendo processados na Comissão de Ética do PT e fomos expulsos. Entramos num processo que Heloísa chamou de travessia no deserto, que era construir um novo partido de esquerda no momento em que o PT ainda estava muito forte no governo e o Lula também”, revela, gesticulando com as mãos.

Em 2014, Luciana se candidatou à Presidência e recebeu mais de 1,6 milhão de votos, o que a tornou nacionalmente conhecida por participar dos tradicionais debates na TV aberta, momentos em que ela aproveitou para trazer temas como homofobia e transfobia. “No último debate da Globo, quando o Aécio (Neves), de dedo em riste, me chamou de leviana, e eu o mandei abaixar o dedo. Isso também teve uma repercussão grande, porque as mulheres se sentiram muito representadas por esse meu gesto de não admitir ser chamada de leviana e de ter um homem colocando o dedo na minha cara”, destaca.

Em evidência novamente, o Partido dos Trabalhadores (PT) segue recebendo muitas críticas de algumas alas da esquerda, porém segue como alternativa com o crescimento de movimentos neofascistas no país. “Esse processo de ida ao centro do PT também contribuiu para o crescimento da extrema-direita, então a gente está num momento bem complexo, porque nós, do PSOL, precisamos fazer unidade com o PT para enfrentar a extrema-direita, e não só com o PT, mas com outros partidos também de centro-esquerda. Ao mesmo tempo, também precisamos fortalecer a nossa própria sigla e as nossas bandeiras e tentar nos apresentar, também, como uma alternativa para o futuro”, opina.

Luciana define o PT como um partido que tem bandeiras de justiça, de igualdade, mas que não tem mais um projeto político de mudança estrutural da sociedade. LAURA SANTIAGO/BETA REDAÇÃO 

Fiel às origens

Filha de pai político, ela revela que a relação entre os dois é muito boa e sem conflitos, ao contrário do que muitos pensam. “O meu pai, na juventude, era comunista, ele fundou um partido, inclusive, que se chamava Partido Revolucionário Comunista. Eu mesma fui militante desse partido na adolescência, quando tinha 14 anos. Depois, esse partido foi extinto. O meu pai e o grupo político que ele organizava se integraram, de forma mais orgânica, no PT, e fizeram esse giro mais ao centro, como todo o PT fez. E eu não, eu diria que eu fui fiel às origens do meu pai. Então eu segui nessa trajetória de uma esquerda mais radical, digamos assim, no bom sentido da palavra, no sentido de ir à raiz dos problemas”, reforça.

Um dos rostos mais associados ao movimento feminista, ela reforça que a causa é muito ampla e necessita de uma grande unidade política para ser levada adiante, ao mesmo tempo em que encontra obstáculos. “A luta feminista é também uma luta contra esse sistema, mas ao mesmo tempo ela é uma luta mais ampla porque possibilita uma unidade, né? Mesmo com

quem não contesta o sistema. Porque a luta é por combater a violência ou por denunciar a violência; por punir agressores ou por igualdade salarial; por direitos iguais para as mulheres ou por uma melhor distribuição do trabalho doméstico”, explica, entre um copo e outro de água.

As divergências políticas entre pai e filha não eram segredo, mas Luciana afirma que as relações entre família sempre foram preservadas. LAURA SANTIAGO/BETA REDAÇÃO 

Maternidade e futuro

Luciana conta que a maternidade surgiu cedo em sua vida, pois foi mãe aos 17 anos e precisou conciliar a criação do filho com a militância e a vida política. Ela ressalta que sempre pôde contar com uma rede de apoio que não a impediu de seguir com seus outros compromissos. “O pai do Fernando, o Roberto Robaina, que é vereador também do PSOL, me disse: ‘Eu não tenho dinheiro, mas eu te ajudo a cuidar’. As palavras foram exatamente essas: ‘Eu te ajudo a cuidar’. Era a visão masculina da época, há 38 anos. E de fato ele me ajudou. A gente sempre se deu muito bem, e continuamos juntos, assim, como companheiros de política”, relembra.

A parlamentar já passou por diversos cargos políticos e eleições: foi deputada federal por dois mandatos, candidata à prefeitura de Porto Alegre e está no seu quarto mandato como deputada estadual. Ela projeta seguir no cargo por muitos anos, mas não descarta convites para se candidatar à Presidência ou ao Governo do Estado. “Se eu deixasse de ser parlamentar, eu iria advogar. Mas, enquanto o povo gaúcho me conceder esse privilégio de estar aqui na Assembleia o representando, eu pretendo continuar. Se, eventualmente, o PSOL me convocar para ser novamente candidata à presidente, eu vou sem pestanejar porque eu acredito que essa é a maior missão de um militante que se proponha ser porta-voz de mudanças estruturais”, finaliza.

Sobre uma possível candidatura à presidência, Luciana diz acreditar que esse é a maior missão assim de militante que se proponha ser porta-voz de mudanças estruturais. LAURA SANTIAGO/BETA REDAÇÃO 

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