Por Mateus Dias Vasconcelos e Nathália dos Santos Rodrigues
Enquanto o Brasil encara desastres climáticos cada vez mais frequentes, como enchentes, queimadas e estiagens severas, escolas municipais de Sapucaia do Sul vivem um desafio silencioso: a dificuldade de estruturar ações de educação ambiental. Mesmo com o interesse crescente dos estudantes, os projetos existentes dependem de esforço voluntário de professores e acabam, muitas vezes, abandonados por falta de apoio do poder público.
Não por acaso, Sapucaia do Sul — cidade localizada na Região Metropolitana de Porto Alegre — virou ponto de partida desta investigação. O município, que sofreu os impactos das enchentes históricas no Rio Grande do Sul em 2024, é também exemplo de como o desmonte da educação ambiental nas escolas pode ter efeitos mais profundos em tempos de crise climática. A iniciativa Interlocutores Ambientais, criada para atuar como ponte entre escolas e comunidade, está ameaçada pela redução de verbas e pela descontinuidade institucional.
A reportagem ouviu professores de 12 escolas da rede municipal entre fevereiro e abril de 2025. Em comum, os relatos apontam falta de recursos, sobrecarga de trabalho, ausência de formação continuada e descaso das secretarias de Educação e Meio Ambiente. Das 12 instituições, apenas três mantêm ações ambientais regulares.
“Vieram no início do ano com um carrinho de mão, rastelo, mangueira. Depois, nunca mais apareceram. Era para fazer um jardim sensorial. Virou mato seco”, conta Juliana Rossato, professora dos anos iniciais da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Júlio Ströher.
Falta investimento público, sobra responsabilidade comunitária
Richard Fraga, professor de Geografia da EMEF Justino Camboim, coordena o projeto Interlocutores Ambientais desde 2022. Ele atua em quatro escolas ao mesmo tempo. “Quando tem formação ambiental, é no mesmo horário das aulas. Para ir, eu teria que faltar em alguma escola. É inviável”, lamenta. A iniciativa surgiu a partir de uma articulação entre professores e a Secretaria de Meio Ambiente, mas perdeu força com o tempo.
Além da falta de continuidade, professores denunciam a confusão de atribuições que recaem sobre as escolas, sem estrutura correspondente. “A gente cuida do lixo, da dengue, do lanche, da educação sexual, da horta, do bullying. É muita coisa sem estrutura”, resume Ana Paula da Silva, professora dos anos iniciais da EMEF João de Barro.
Segundo dados do Portal da Transparência e informações da Secretaria de Meio Ambiente, em 2022, foram alocados R$ 120 mil para ações ambientais nas escolas de Sapucaia do Sul. Em 2019, o orçamento municipal caiu para R$ 81 mil, para R$ 70 mil em 2024 — uma queda de aproximadamente de 13%. Os valores são executados conforme arrecadação e repasses ao município. Segundo a pasta, as enchentes do último ano inviabilizaram parte das atividades previstas. Ainda assim, Em 2024, menos de 0,1% do orçamento municipal foi destinado a esse tipo de ações.
Apesar disso, a secretaria afirma manter projetos como De Olho no Óleo, Guardiões Ambientais Mirins, Hortas Acessíveis e Sustentáveis (em parceria com a APAE) e campanhas com os princípios dos 5 Rs: Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Além disso, promete para 2025 a criação da Sala Verde, espaço permanente de vivência ambiental.
Segundo a secretária municipal de Meio Ambiente de Sapucaia do Sul, Carla da Silveira, a atuação é compartilhada com as secretarias de Educação, Inovação e Desenvolvimento Econômico, além da Emater. No entanto, não há programa sistematizado com metas e prazos definidos — o que dificulta a consolidação das iniciativas.
Alunos e educadores atentos, poder público ausente
Apesar das dificuldades, o interesse dos estudantes cresce a cada evento climático extremo. “Eles querem entender o que está acontecendo. Falam de lixo, calor, clima. Mas não têm onde aprender isso com profundidade”, lamenta Magali Araujo, professora dos anos iniciais da EMEF Vanessa Ceconet.
A ausência do poder público é sentida por todos os educadores ouvidos. “No início do ano, a Secretaria do Meio Ambiente entregou um kit básico com carro de mão, mangueira, rastelo e outras ferramentas de jardim. E isso era para nós realizarmos um grande projeto de conservação. Depois disso, nunca mais voltaram, não houve mais acompanhamento”, conta o professor Richard.
A prefeitura afirma oferecer suporte técnico, dados mensais de hortaliças e feiras educativas. Porém, os relatos dos professores indicam que esse acompanhamento é esporádico e insuficiente.
O futuro não espera
As escolas de Sapucaia do Sul estão longe de serem exceção. A situação se repete em diversos municípios que enfrentam as consequências das mudanças climáticas sem uma política sólida de educação ambiental. A diferença é que, em Sapucaia, existia uma proposta. Ela foi iniciada em 2022, após articulação entre professores, gestores ambientais associados ao investimento de ação e verbas do poder público. Atualmente, segue com ação desses agentes e das secretarias de Meio Ambiente, Educação, Inovação e Desenvolvimento Econômico e da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER). Mas o que era para ser uma estratégia duradoura se perdeu em meio a cortes e falta de continuidade.
Para os educadores ouvidos, transformar o interesse dos alunos em ação prática exige estrutura. “A escola quer ensinar sobre o meio ambiente. Mas não dá para fazer isso com um rastelo e um pedaço de terra seca”, resume Richard.
Num momento em que a crise climática já afeta o cotidiano dos gaúchos, investir em educação ambiental nas escolas deveria ser prioridade. Em vez disso, muitos projetos seguem à deriva — levados pela correnteza do improviso.
As consequências das mudanças climáticas estão cada vez mais em evidência, afetando milhares de famílias. Se não houver um movimento para fortalecer a educação ambiental, o impacto continuará sendo sentido — agora e no futuro.