Para o paliativista Lucas Ramos, conhecimento científico sem escuta ativa não tem eficácia em tratamentos médicos

Médico reflete sobre a relação entre o conhecimento científico e o afeto no cuidado com os pacientes, a humanização da medicina e os desafios na formação dos novos profissionais

Graduado pela Universidade Católica de Pelotas, mestre em neurociências pela PUCRS, Lucas Ramos é médico geriatra, paliativista, professor da Escola de Medicina da PUCRS e atua na coordenação do Núcleo de Cuidados Paliativos do Hospital São Lucas. É defensor da qualidade de vida em todas as fases, dedica-se à formação médica e à humanização do cuidado centrado na dignidade e no bem-estar. Ele concedeu esta entrevista à Beta Redação após sua talk no TEDx Unisinos Salon “Experiência em Saúde: conhecimento e afeto”.

Durante sua fala no TEDx Unisinos 2025, Lucas Ramos reforçou a necessidade de inserir a comunicação em saúde na formação universitária – BRUNA SOARES/BETA REDAÇÃO

Beta Redação: Como que a tua formação médica e a experiência na área dos cuidados paliativos influenciam a forma que enxergas a relação entre conhecimento científico e afeto no processo do cuidado dos teus pacientes?

Lucas Ramos: A formação médica e a prática em cuidados paliativos ajudam a integrar o conhecimento científico e o afeto no processo de cuidado. O conhecimento científico é essencial, mas sem a escuta ativa e empatia, ele perde sua eficácia. A medicina centrada na pessoa, em vez de se focar apenas na doença, é crucial para entender o contexto de vida do paciente. O cuidado deve ser uma combinação de evidências científicas com um cuidado emocional e humano, pois, sem empatia, o diagnóstico e tratamento se tornam mecânicos e despersonalizados. Sou crítico da visão excessivamente técnica, defendo que o cuidado médico deve envolver mais do que simples protocolos. Se a gente tira a questão do afeto, da comunicação e do sujeito, fica uma leitura de guidelines e aplicação, que no futuro bem próximo, protocolos e procedimentos a inteligência artificial vai fazer muito melhor.

Tu defendes a humanização do cuidado, centrado na dignidade e bem-estar do paciente. Como isso se reflete nas tuas práticas diárias e na forma como os médicos, em geral, podem integrar mais o afeto no atendimento à saúde?

A verdadeira humanização está na comunicação empática e no respeito à dignidade do paciente, centrando-se não apenas na doença, mas na pessoa como um todo. Para mim, a ferramenta do médico ou do profissional da saúde do futuro é a comunicação. Por muitos anos foi-se feito um cuidado centrado na doença. Não é o “Seu João” que está no leito 12, é o paciente do câncer de pulmão. E isso pra quem não tem tanta prática hospitalar, pode parecer um pouco estranho, mas na prática a gente vê isso todo dia. “Ah, chama o paciente do 10 lá, do joelho.” “Ah, tem exame lá pro paciente do 14, ali, a senhorinha da vesícula.” Acho que isso é o primeiro ponto, que é o cuidado centrado na pessoa. Pra gente tirar o enfoque da doença, eu tenho que realmente colocar a pessoa no centro do cuidado. Esse modelo de cuidado antigo girava em torno da doença: o que a doença trazia de problemas, de tratamentos e qual era a perspectiva para a doença. O médico deve ser capaz de entender o que o paciente deseja, considerando seus valores, expectativas e o impacto do tratamento em sua qualidade de vida e, dentro disso, saber comunicar ao paciente as suas opções, de modo compreensível.  

No TEDx Unisinos 2025, Lucas Ramos chamou atenção para a responsabilidade dos profissionais da saúde ao traduzir a complexidade das doenças para os pacientes – BRUNA SOARES/BETA REDAÇÃO

A música é uma parte importante da tua abordagem, trazendo uma dimensão sensível ao cuidado. Pode nos contar um pouco sobre como a música afeta o processo da escuta ativa?

Eu tenho um estúdio de gravação, onde faço produção musical e mixagem. O que é uma mixagem se não ouvir ou escutar? E aí eu provoco muito os alunos, sobre a diferença entre ouvir e escutar. Quando a gente fala numa escuta, demanda atenção, demanda concentração plena, demanda presença. Quando falamos no ouvir, ouvimos ruído, música no carro fazendo outra coisa, ouvimos muitas coisas que não escutamos. Como produtor musical, desenvolvi muito meu poder de escuta técnico, e levei isso para outras áreas. Não tem como, em uma comunicação difícil como as que faço, onde vou ter que estar muito atento à escuta, fazer isso pensando na lista do súper ou, muito menos, pensando em pegar o celular na mão, algo que não cabe nesse cenário. A escuta ativa exige atenção plena, sem distrações, e é fundamental para uma comunicação eficaz com o paciente. Como na mixagem, é preciso captar cada detalhe para compreender completamente o que o paciente está comunicando, não apenas ouvir de forma superficial. Adianta eu saber qual é o melhor tratamento para hipertensão de um paciente? Não, tem um estudo que mostra que o losartana é melhor que o enalapril. E se o paciente não tomar nenhum dos dois, por que ele não entendeu que tem que tomar sempre, pois não estava escutando? Então a escuta ativa e a comunicação são muito importantes.

Na tua experiência como professor da Escola de Medicina da PUCRS, quais são os principais desafios que tu observas na formação dos novos médicos em relação à integração entre a técnica, a empatia e a qualidade de vida para proporcionar ao paciente?

A medicina é um curso focado em hard skills, com uma base sólida nas áreas biológicas e exatas, o que torna difícil a integração de soft skills, como a comunicação, dentro do currículo. Embora esses aspectos interpessoais sejam essenciais, as escolas de saúde não têm um treinamento adequado para desenvolvê-los. Um exemplo disso é a falta de preparação para comunicar diagnósticos graves, como o câncer, aos pacientes e suas famílias, o que é um procedimento tão complexo quanto realizar uma cirurgia. O treinamento para isso é inexistente, em contraste com os anos de preparação que um cirurgião tem para realizar uma operação. Portanto, o maior desafio para as escolas de saúde é integrar o desenvolvimento das soft skills no currículo, capacitando os profissionais a se comunicarem de maneira eficaz e humana.

Lucas Ramos trouxe uma reflexão poderosa: a formação em saúde deve incluir, também, o desenvolvimento da escuta ativa e da empatia – BRUNA SOARES/BETA REDAÇÃO

Na tua visão, qual o papel da empatia na medicina, especialmente na questão de cuidados paliativos, e como que ela pode transformar a experiência de quem enfrenta uma fase difícil ou uma fase terminal na vida?

Na minha visão, a empatia — ou melhor, a comunicação empática — é indispensável no cuidado em saúde, especialmente nos cuidados paliativos. Não considero uma habilidade extra, mas sim essencial. Embora algumas pessoas tenham mais facilidade, ela pode ser aprendida e desenvolvida. Reconheço que nem todos têm o perfil para lidar diretamente com pacientes, e está tudo certo em seguir outras áreas da medicina, como a patologia ou a radiologia. Mas para quem escolhe cuidar de pessoas, a empatia precisa estar presente. Ela está profundamente ligada à escuta ativa e à comunicação efetiva — é um ciclo. Por isso, para mim, empatia não é um diferencial; é uma necessidade básica. Sobre o que mais aprendi acompanhando pacientes em seus momentos finais, acredito que o maior ensinamento foi entender que a morte faz parte da vida. O oposto da morte não é a vida — é o nascimento. 

Para o médico, o cuidado com a saúde começa com a forma como falamos sobre ela – BRUNA SOARES/BETA REDAÇÃO

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